Sempre que assisto a um comercial de final de ano, assinado por um banco, fico pensando em que mundo vivem os banqueiros. Na verdade, nem preciso pensar muito para imaginar que vivem em um mundo inebriantemente tomado de felicidade.
Um mundo em que tudo emana uma paz vigorosa, aquela paz que nasce da certeza da própria segurança com relação ao presente e ao futuro, de si e de todos os seus.
Um mundo em que projetos não são apenas sonhos, mas surgem certos da sua concretude, pois não lhes faltará jamais recursos que os viabilizem. Um mundo em que as crianças já nascem premiadas com uma vida plena de bens e oportunidades, para se tornarem adultos saudáveis e bem-sucedidos.
Um mundo sem medo, pois que será sempre possível manter a necessária distância do que assusta. Um mundo de gente profundamente autoconfiante, em que o prazer é a razão de viver e tudo, portanto, deve conduzir a ele.
Talvez o final do ano inspire uma certa melancolia caprichosa, e essas pessoas contemplem os demais mortais, debatendo-se em suas agruras, e pensem: meu Deus, é preciso dar uma esperança a essa gente, ajudar a fazer com que tenham fé num futuro possível…
E acionam seus departamentos de marketing, que acionam suas agências, que acionam seus criativos. E são gerados os comerciais de final de ano dos bancos. Feitos sob medida para serem assistidos entre goles de Richard Henessy e com os olhos marejados. E não por 74% dos brasileiros endividados. Gente que vive para tentar manter o crédito, o único meio de que dispõe para continuar vivo. Essas 7 de cada 10 pessoas com quem cruzamos, e que carregam no cenho franzido a marca de uma luta inglória a lhe ocupar os dias, a luta contra a ameaça de uma inadimplência que inviabilize seus papeis de pais, filhos, esposas, maridos, e anule suas existências como cidadãos.
Gente que vive com a corda esticada, esfolando-se para não sujar o nome. Saem felizes dos feirões, em que renegociam suas dívidas com 80% de desconto, cujo saldo é parcelado em outros 24 meses.
Este é um dos seus momentos de maior deleite, de maior prazer, quando saem do feirão “limpa nome”, tendo que pagar o renegociado ainda por dois anos.
Uma “generosidade” do sistema para não matar o negócio do endividamento. É com esses coitados que os comerciais de final de ano dos bancos tentam conversar, injetar expectativas positivas, prometer que as coisas vão melhorar, mesmo (ou propositalmente) sem deixar claro o que isso significa.
Faz sentido: há uma distância tão extraordinária no conceito de “melhorar” entre um mundo e o outro, que se torna impossível explicar. Resultando nessas mensagens ricamente vazias, estruturalmente frágeis, eficazmente inócuas, fantasiosamente criativas, a invadir os lares, na tentativa de emocionar a quem já gastou todas as lágrimas com as más notícias.
Enfim, que raio de negócio é esse que não identifica em seu próprio cuore elementos objetivos para justificar uma mensagem sustentável em termos de credibilidade e emoção?
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing (stalimircom@gmail.com)