A transformação da publicidade promovida pelo avanço do digital impactou não apenas o formato, o conteúdo e a forma de veicular um comercial, mas toda a estrutura da indústria da comunicação, o ecossistema, do qual as agências são parte, refletindo outras mudanças em curso no mundo, que passou a ser mais imediato, mais diverso e descentralizado.
Um dos movimentos mais representativos dessa mudança ocorreu na própria estrutura e no perfil das agências. Boa parte daquelas tradicionalmente conhecidas como as grandes criativas, sob a liderança de premiados publicitários que ajudaram a construir a história da publicidade brasileira – e podemos citar aí, como exemplos, nomes como Nizan Guanaes e o Grupo ABC; Washingon Olivetto e a W/Brasil; Fabio Fernandez e a F/Nazca; Alexandre Gama e a Neogama, e muitas outras agências criativas como a NBS e a Lodduca – deixaram de existir como resultado de fusões e aquisições ou se transformaram, ganhando um perfil alinhado aos novos tempos.
A começar pelo processo criativo: hoje ele é o da cocriação, desenvolvido com a participação de várias áreas da agência e até mesmo da sociedade – nos casos em que é aberto à colaboração –, e essa participação de pessoas diversas se reflete na diversidade maior, que é característica vital hoje da sociedade e dos consumidores com os quais as marcas buscam se conectar. O ritmo da criação dos conteúdos também se acelerou, e eles precisam ser criados rapidamente, e até são substituídos por outros se as métricas não confirmam seu engajamento. Aliás, as métricas passaram a orientar boa parte da publicidade, ganhando importância em relação às grandes ideias, conforme expressou o próprio Olivetto, no ano passado, ao afirmar que a publicidade brasileira “tem, muitas vezes, deixado de lado as grandes ideias – a base da melhor comunicação em qualquer tempo”. Sem entrar no mérito do que se deve considerar como a melhor comunicação, o fato é que não basta mais ter grandes ideias, elas precisam vir acompanhadas de resultados, e hoje tornou-se mais fácil mensurá-los.
As marcas, por sua vez, buscam se comunicar com os consumidores baseadas não apenas nos atributos de seus produtos e serviços, mas em seus propósitos, que, cada vez mais, caminham lado a lado com a responsabilidade social e ambiental, e a diversidade. Além das marcas, várias lideranças fundaram as próprias agências no mercado baseadas também em seus propósitos, sejam os mesmos fundamentados nos novos formatos de relação com os clientes, colaboradores e, principalmente, ancorados na diversidade e no ESG. Podemos citar aqui Soko, Suno, Gut, Gana e Galeria, além de várias outras com um perfil mais digital, que surgiram recentemente. À frente de todas as atividades de uma agência, hoje, estão profissionais com uma nova forma de pensar, mais engajados com as demandas desse mundo em transformação, e isto se reflete na criação publicitária, na forma de se relacionar com os consumidores, fornecedores e os próprios colaboradores.
Nesse contexto, cabe às entidades que representam as agências e a atividade publicitária refletirem essas mudanças em sua pauta de ações. O mundo é disruptivo, e a pauta associativa também deve se transformar, para que se analise a extensão dessas mudanças na própria estrutura das agências. As lideranças do setor devem promover, portanto, essa disrupção no próprio modo de pensar o setor, estimular a mudança no âmago das agências e se aproximar das novas agências que surgiram e vêm surgindo com os olhos voltados a essa nova forma de criar e fazer publicidade.
Roberto Tourinho é vice-presidente do Sinapro SP