Para além do bom desempenho brasileiro no Festival de Cannes, a edição 2022 do maior festival global de criatividade trouxe alguns marcos importantes. O principal deles foi o debate sobre os grandes dilemas da agenda do planeta neste momento como a guerra na Ucrânia, a vida pós-pandemia, a emergência climática e a necessidade de maior inclusão e diversidade. Desta forma, está clara a necessidade de convergência entre a indústria publicitária e os problemas reais das pessoas, colocando as marcas como importantes agentes de transformação em questões que vão muito além do consumo.

Uma das marcas desta edição do Cannes Lions foi exatamente um esforço inédito – e ainda incipiente - de ampliar as vozes (e as histórias) da indústria publicitária global levando aos palcos personagens e profissionais mais diversos em um trabalho intencional de mudar as narrativas e de desconstruir estereótipos que essa mesma indústria lapidou ao longo de décadas.

Convidados como os brasileiros Edu Lyra, CEO da ONG Gerando Falcões e Txai Suruí, líder indígena, que subiu ao palco duas vezes, uma delas com uma placa de protesto na qual se lia Salve a Amazônia; o ex-enxadrista e ativista político Gary Gasparov; a Nobel da Paz, Malala Yousafzai; e a atriz Lupita Nyong’o reforçaram a urgência da indústria publicitária planetária em levar em conta a agenda social e ambiental.

“Cresci sendo infeliz com a cor da minha pele. Todos os anúncios publicitários que via quando criança e adolescente diziam que com a minha cor de pele eu não conseguiria nada porque era indesejável”, contou Nyong’o, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “12 Anos de Escravidão” e atual embaixadora da marca de cosméticos Lâncome.

A reação da organização do Festival de Cannes à pressão de diversos profissionais brasileiros e do coletivo Papel & Caneta que questionaram a falta de diversidade na escolha dos jurados e presidentes do júri brasileiros, inicialmente anunciados, evidencia a importância dessa pauta.

A presença de profissionais negros e negras nos palcos, nos júris, nas fichas técnicas das peças premiadas, nos corredores e nas ruas em torno do Palais ainda é pequena, mas deixa clara que a questão da inclusão não é uma onda ou uma tendência. Trata-se de uma demanda urgente da sociedade. Se a indústria publicitária é responsável por criar subjetividades, essa construção tem que passar pelo aumento da representatividade para ser mais real e relevante. E isso significa necessariamente dar voz e protagonismo a pessoas diversas.

Além da diversidade e inclusão, uma outra trilha temática do Cannes Lions foi talento. Em sua palestra, o CEO do LinkedIn, Ryan Roslansky, chamou atenção para o que configura uma ‘fuga de talentos’ da indústria publicitária. “No geral, mais pessoas estão saindo do que entrando. Nos últimos cinco anos, a publicidade perdeu 5,5% mais pessoas do que ganhou. Isso é significativo. Em comparação, a indústria de tecnologia no mesmo período ganhou 23% mais pessoas do que perdeu. Quando olho para esses fluxos de talentos e mudanças de habilidades, há uma imagem muito clara. Este é um setor em que o equilíbrio está mudando de promessas e criatividade para transformação digital.”

A fala de Roslansky deixa claro um gargalo fundamental para a indústria publicitária hoje: como atrair e, principalmente, reter talentos à medida que as novas gerações buscam engajamento que passam ao largo da questão salarial, são mais fluidas e já não se encantam mais com a atual promessa de valor desse mercado?

Um desafio e tanto que nós enquanto dirigentes dessa indústria temos pela frente.

Regina Augusto é diretora executiva do Cenp (Fórum de Autorregulação do Mercado Publicitário)