Muito aqui entre nós, não gosto de que me chamem de marqueteiro, nome nascido entre jornalistas para tratar com certo desprezo os profissionais responsáveis pela comunicação de políticos. Soa assim com sambeiro em contraposição a sambista, ou arteiro, uma contrafação de artista. Li outro dia na internet que existe distinção histórica entre os sufixos que indicam ocupação ou ofício. O sufixo “ista”, segundo alguns autores, geralmente está ligado às profissões de maior prestígio social.

Já “eiro” parece conotar uma atividade mais informal, de menor status. As diversas exceções parecem confirmar a regra (balconista, ascensorista e calista). No caso de engenheiro, é preciso lembrar que sua origem é a de trabalhador em engenho, um técnico sofisticado, capaz de lidar com as geringonças destinadas ao tratamento da cana e à fabricação de açúcar, tecnologia avançadíssima para a época.

O aposto “ólogo” parece vestir casaca, e tenta indicar o cientista, o pensador. Daí a sutil diferença entre biologista e biólogo, nutricionista e nutrólogo. Frescura de lexicólogo, como se vê. Portanto, os marqueteiros fariam parte da extensa família dos não acadêmicos, dos que aprenderam na prática, assim como os marceneiros, os carroceiros, os violeiros e os peixeiros. Fazendo uma escala de importância no mundo do marketing, o topo da pirâmide seria ocupado pelo filósofo do marketing, o grande pensador teórico, com diploma de Harvard e professor universitário. O senhor doutor professor marquetólogo. O pica.

Em seguida teríamos os “homens de marketing”, vice-presidentes, diretores, supervisores. Logo abaixo os “profissionais de marketing”, gerentes e analistas. Descendo um pouco mais, os atendentes de telemarketing. E chegando, finalmente, ao fundo do poço, o marqueteiro. Um tipo tão ordinário que trabalha entre políticos. Mais do que isso: ensina-os a enganar a população. Um prestidigitador tão descarado que se torna capaz de transformar Paulo Maluf numa Madre Tereza de Calcutá. Um marqueteiro seria, em resumo, o bosta total, capaz de vender a mãe e fazer de qualquer pulha um político elegível. Pelo menos quem criou a expressão pensava assim. E, o que é pior, com o tempo a alcunha pegou, da mesma forma que pegam todos os apelidos pejorativos aos quais os agraciados reagiram com raiva.

Tivessem os Cabeções, os Cus-de-frango, os Bundas Secas, os Margaridas e os Florzinhas aceitado numa boa seus apelidos, provavelmente seriam ainda os Antonios Carlos, Helenos, Paulo Robertos e Andersons que suas mães nomearam. Mas acharam ruim e estão levando vida a fora seus epítetos. Infelizmente aos marqueteiros não adianta mais espernear. Morrerão marqueteiros, a não ser que abandonem
a profissão e se tornem pianistas de bordel. Pianeiros, enfim. A esta altura, não vale mais a pena reagir. Os jornais nos chamam de marqueteiros, as emissoras de televisão assim nos identificam nas legendas,
é assim que os próprios candidatos nos definem.

Outro engano que as pessoas cometem é exagerar no nosso poder em transformar o candidato. É uma falácia. Como diz brilhantemente um colega, a grande diferença entre um produto e um candidato é que candidato fala. E pensa. Consequentemente, com o tempo, ele vai ser inexoravelmente o que é. A nós cabe auxiliar na elaboração do discurso ou na simplificação da exposição de seu raciocínio. Mas se ele não acreditar sinceramente no que está falando, um dia se trai. Podemos ajudar na interpretação das pesquisas, no entendimento das reações dos eleitores, na elaboração do quadro político. Mas não inventamos o que não existe. Ao longo de uma campanha o candidato vai se aproximando de seu verdadeiro eu. Pode até ser cínico e dissimulado e elaborar permanentemente todos seus atos e reações.

Muita gente é assim no dia a dia da empresa, diante da própria família. Mas seja ele quem for, é obra de si mesmo e de suas circunstâncias. Não é uma fabricação nascida da prancheta de um profissional. “Quem dera sesse assim”, como dizia a empregada lá de casa. A vida seria menos dura e infinitamente mais divertida. Enfim, isto é o que tínhamos para hoje. Alguma coisa me diz que esta coluna está bem chinfrim. Mas não se pode esperar outra coisa de um marqueteiro. Ainda mais de ressaca.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor
(lulavieira.luvi@gmail.com)