Um olhar, um não-olhar, um sentimento, uma palavra, um traço, um movimento, os números, na ausência e em todas as formas que possamos imaginar, existe sempre uma fonte riquíssima de inspiração.

Eu, particularmente, desde sempre, gostei muito da arte da observação, com ela, quase que em uma atitude inconsciente, consigo me transportar para diferentes realidades, gostos, atitudes, verdades.

Posso até afirmar que a inspiração advinda da observação genuína, aquela sem julgamentos, assemelha-se mais a uma terceira natureza humana, da qual emergimos prontos para manifestar ações criativas e construtivas.

Lembro-me de uma entrevista que ouvi do comediante português Ricardo Araújo Pereira em que ele falava que seu ofício era sobre virar as coisas de cabeça para baixo, angular tudo que ele vê, mudar tudo de lugar, algo que no ofício do seu pai era terminantemente proibido.

Depois ele revelava com uma pausa dramática perfeita que o trabalho do seu pai era pilotar aviões.

Esse trecho da entrevista exemplifica bem o que chamo aqui de terceira natureza, algo que você não consegue conter, mas também não acontece naturalmente como passar a marcha do carro depois de alguns bons quilômetros dirigindo.

Essa terceira natureza, um conceito inexistente, é algo que aprendemos empiricamente a extrair: seja diante de uma rachadura na parede que se transforma em arte, uma batucada que se converte em sinfonia ou uma repetição que se torna algo original.

É algo que se apresenta para aqueles que fazem questão de enxergar, ouvir e sentir além do que lhes foi oferecido.

Especialmente nos dias de hoje, em que vivemos uma era de relações líquidas, percebo a importância de ser um bom observador, não apenas para meu trabalho, mas como ser humano.

Enriquecer minhas perspectivas e enxergar a vida por outros ângulos é sempre um exercício valioso e enriquecedor.

Na sociedade contemporânea, marcada pela velocidade das interações e pela superficialidade das conexões, a habilidade de observar com profundidade e empatia torna-se ainda mais crucial.

Ao longo dos anos, tenho cultivado essa capacidade como uma ferramenta muito  importante.

Não se trata apenas de absorver as informações visuais, mas também de compreender os contextos, as emoções e os significados subjacentes às experiências que testemunho.

Cada gesto, cada expressão facial, cada detalhe do ambiente ao meu redor carrega consigo uma história, uma narrativa que merece ser explorada e compreendida. Essa atitude atenta e sensível me permite encontrar motivos para criar, para expressar minha visão única do mundo.

Pois, no fim das contas, é através da observação atenta que descobrimos a beleza oculta nos detalhes mais simples e nos momentos mais efêmeros da vida.

Ricardo Dolla é chief creative officer da Dentsu Creative