O pensamento mágico é um fenômeno antropológico, que envolve psicologia, ciência cognitiva e comunicação. Em tese, uma massa de pessoas pode acreditar profundamente em algo irreal, inverossímil, absurdo e realizar ações que saem do escopo do bom senso e do naturalmente aceitável. Isso sempre existiu, ganhou muita força com as redes sociais. Na Idade Média queimavam pessoas pressupondo que eram bruxas. Nos anos 1970, 900 pessoas cometeram o suicídio liderados por Jim Jones.

Exemplos não faltam. Mas os casos atuais são mais preocupantes e complexos, pois as consequências do pensamento mágico têm envolvido não só o grupo de pessoas diretamente envolvido, mas toda a coletividade. O mundo. E o que é mais preocupante, tudo isso tem a ver com dados de audiência, tecnologia, likes, shares e verbas publicitárias.

Note o caso do americano Alex Jones. Ele foi condenado, no dia 10 de novembro agora, a pagar US$ 473 milhões às famílias de oito vítimas do massacre da escola primária de Sandy Hook, em Connecticut. No massacre morreram 20 crianças e oito adultos. Mas quem puxou o gatilho do rifle e das duas pistolas não foi o cidadão exemplar Alex Jones.

Alex é um radialista e youtuber de 48 anos, ligado à extrema direita americana, que tem alegado falsamente, de lá para cá, que o massacre foi encenado pelo governo de Obama, e pelos familiares das vítimas. Essa teoria conspiratória mobilizou milhões de americanos que acreditaram nessa história durante anos.  Mas por que Alex inventaria essa história?  Por que mentir com algo tão improvável, cruel e absurdo? E por que continuar a espalhar mentiras, mesmo depois do protesto das famílias que receberam ameaças de morte por essa hipótese completamente falsa? A resposta para a atitude do Alex é exatamente a resposta para a extrema-direita que assalta o mundo hoje. Monetização. Interesse econômico. Vantagens comerciais que podem advir de um cenário assim.

Desde 2012, com a audiência vinda dessa mentira, Alex faturou 240 milhões de dólares. É menos do que a pena que a Justiça americana lhe deu. Mas famílias, vidas e reputações foram destruídas por Alex, impiedosamente. Ganhos políticos vieram dessas mentiras. Criar, espalhar e promover teorias conspiratórias produz o pensamento mágico. E o pensamento mágico hoje produz lucro. Muito lucro. Afinal, é sedutor você mudar a realidade a qualquer momento. É mágico.

E a maior parte desse lucro vem de anúncios de produtos legais, de empresas honestas e necessárias que têm a sua verba publicitária ligada a qualquer conteúdo que dê audiência. O responsável por essa perversidade seria o algoritmo de redes, que não proíbem conteúdos mentirosos em nome da liberdade de expressão. Como as que Alex divulgava.

Perguntas precisam ser feitas por quem atua com publicidade: a Justiça não poderia ser mais rápida? Qualquer coisa é liberdade de expressão? E se o Alex não puder pagar a multa, as redes que lucraram também, e muito mais do que ele, vão pagar a sua parte?  O que é liberdade de expressão? Quando vir multidões abraçando quartéis, batendo continência para pneu, paralisando rodovias e pedindo desesperadamente para que a realidade se altere para a sua visão particular, saiba que tem alguém por trás disso, criando pensamentos mágicos para as massas, ganhando muito, muito dinheiro e apostando que o coelho só vai sair da cartola muitos anos depois.

Flavio Waiteman é CCO-founder da Tech and Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br