Meu velho e saudoso pai era um simples motorista de caminhão numa distribuidora de pneus, mas tinha habilidades incríveis. Nossa casa – quarto, cozinha e banheiro – tinha um poço de 7 metros de profundidade que dava 6,5 metros de água pura. Sobre uma plataforma elevada que ele adaptou na boca, instalou o sarilho que ele mesmo fez, pra puxar o balde. Quando chegou a energia elétrica no bairro e ele conseguiu comprar uma caixa d’água, fez as roscas com a tarraxa nos canos de ferro, onde rosqueou as curvas, os cotovelos e os Tes, vedando tudo com zarcão e estopa. Instalou um pequeno motor que, acionado por uma chave-faca (empurra/puxa), enchia a caixa d’água. Observando meu pai, aprendi a manusear o arco de pua, o serrote, a serra tico-tico, o martelo, a chave de fenda, a lima e a grosa.
Com isso, ele não precisava mais fazer meus carrinhos de rolimã. Eu mesmo fazia. Um dia, perguntei como ele tinha construído nossa casinha e ele respondeu que apenas ajudou; quem construiu foi o sr. Antonio “Surdo” (o pedreiro tinha esse apelido porque não escutava direito). Perguntei: “Mas, se o senhor sabe fazer tudo, porque não construiu nossa casa?" Ele respondeu: “Porque ninguém sabe fazer tudo, e aquilo que você não sabe fazer, precisa pagar pra quem sabe.”
No início de 1980, tendo descoberto minha vocação numa empresa de propaganda, eu me apaixonei por essa senhora altiva, inteligente e perspicaz chamada Publicidade, e me empolgava com as campanhas de publicitários brilhantes. Ainda não tinha aparecido o Macintosh. Tudo era feito com fotocomposição e fotoletras, e a ideia muitas vezes era apresentada pro cliente rafeada, pestapada. O resultado era incrível.
Passou o tempo e, não sei exatamente quando, comecei a ficar perplexo com alguns anúncios pobres, outdoors estranhos, comerciais de TV irritantes, e não entendia o porquê. De mim para mim mesmo, eu julgava as agências, mas não falava nada. Será que o Steve Jobs, em vez de ajudar, deixou todo mundo preguiçoso? Pensava eu com meus botões.
Um belo dia, depois de um anúncio ter ido umas 4 ou 5 vezes para aprovação do cliente, chegou para a revisão final. Revisei e perguntei pro meu chefe se ia ter assinatura da agência. Ele mandou falar com o diretor de Criação, que me respondeu: “Não vamos assinar, esse leiaute não é nosso.” Olhei bem pra ele, que não disse mais nada, e entendi tudo. Aí me lembrei do conselho de meu velho pai: “Aquilo que você não sabe fazer, precisa pagar pra quem sabe.”
Então, obviamente sem generalizar, eu acho que ainda existem alguns anunciantes que interferem muito no leiaute, a ponto de desfigurá-lo. E meu conselho seria: façam um briefing o mais claro possível, e ao longo do processo passem as informações que sua agência pedir, deixando o resto por conta dela. Vocês podem, claro, e têm todo o direito de opinar, mas deixem a palavra final para a agência, que vai fazer por vocês o que ela sabe fazer de melhor: Publicidade e Propaganda. Ela tem equipes de Criação, Atendimento, Planejamento, Mídia, Produção, Pesquisa de Mercado, além de especialistas em internet e redes sociais, com profissionais que sabem do que sua marca e seu produto ou serviço precisam. Façam isso e suas campanhas vão atingir o público-alvo "comme il faut".
Ah, e ela tem também ao menos um profissional que cuida da Revisão e vai cercar tudo pra não acontecer nenhum erro. Um erro pode ter o potencial de destruir em 4 ou 5 segundos a imagem de uma marca que pode ter levado anos para ser construída. E a concorrência iria adorar.
Bem, eu precisava puxar uma brasinha pro meu peixe, claro, com justiça. Veritatis simplex oratio est.
Athayde Morand trabalha como revisor de agências há mais de 40 anos