Ah! Esse Brasil lindo e trigueiro, cantado em prosa e verso pela sua linda miscigenação. Um levantamento recente do IBGE corrobora a rica mestiçagem brasileira, com os autodeclarados pardos superando os brancos.
Esta última medição, divulgada em dezembro do ano passado, revela, pela primeira vez, uma maioria de pardos no Brasil, alcançando 45,3%, superando os brancos, que agora representam 43,5% da população.
É a primeira vez que isso acontece. E é natural que seja assim. À medida em que a população se miscigena, prevalecem matizes de cores que vão bem além do preto e branco.
A propósito, os que se declaram pretos passaram de 7,6% para 10,2%. Na mesma medição, os que se declaram amarelos (descendentes de asiáticos) são apenas 0,4% (contra 1,1% do censo anterior).
Com uma migração iniciada no início dos anos 1900, os japoneses no Brasil são considerados a maior população nipônica fora do Japão. Mas muitos descendentes já estão na terceira geração, com brasileiros de olhos amendoados, mas já adquirindo traços de não asiáticos, por conta das múltiplas uniões com parceiros de outras etnias.
Se, por um lado, esse fenômeno dá um colorido especial ao nosso país, por outro, gera uma certa confusão na hora de definições mais precisas, principalmente nas ações afirmativas. Vejamos, por exemplo, a questão das cotas nas universidades.
Sabidamente, as escolas públicas são obrigadas a destinar vagas para candidatos pretos, pardos, indígenas e PCDs. Tempos atrás, bastava a autodeclaração para uma pessoa se apresentar como preta ou parda, justificando sua postulação a uma vaga especial.
Com o tempo, foram observadas claras transgressões, com pessoas nitidamente brancas fazendo-se passar por pardas para facilitar seu acesso às universidades.
Ora, as cotas são políticas afirmativas que visam a minimizar a exclusão social, cultural e econômica de indivíduos pertencentes a grupos que sofrem qualquer discriminação. Não era justo permitir que pessoas não condizentes com esse espectro se utilizassem indevidamente do sistema de cotas para facilitar seu acesso à universidade.
Agora, o candidato que pretender inscrição em universidade por meio das vagas de cotas (pretos e pardos), deve se submeter à análise de uma comissão de heteroidentificação.
A avaliação é feita em um primeiro momento silenciosa, em que o candidato põe-se à frente de três avaliadores (que devem possuir pluralidade de raças), é tirada uma foto, chegando-se assim ao resultado de pertinência, ou não, do direito à vaga.
Por basear-se numa observação de terceiros, o processo é frágil e sujeito a contestações. O próprio sistema de cotas é questionado.
E ao chegarmos à situação de maioria de pardos no Brasil, os críticos ganham mais argumentos para contestação.
A simples questão de levar-se em conta um matiz de cor que induz a uma ancestralidade que remonta à época dos escravizados e ainda alijados dos privilégios inerentes àqueles de cor branca, por exemplo, pode se mostrar um critério questionável, quando esses pardos são maioria no país.
Sempre foram tratados como minorias ou minorizados. E agora, que são maioria? Devemos defender as ações afirmativas, que são necessárias para reverter anos de alijamento e falta de acesso de pessoas pretas a sistemas educacionais de qualidade ou mesmo a vagas de emprego digno.
Mas o crescimento da população parda, mestiça, deve se intensificar na mesma medida em que acontece uma maior miscigenação no país, complicando ainda mais o estabelecimento de políticas afirmativas para esse público.
Independentemente dessas questões, nosso desejo é que essa rica mistura potencialize um diferencial que já existe e nos coloca entre os povos mais belos e criativos do mundo.
É o borogodó brasileiro, formado na mistura, na diversidade e, admitamos, fruto também da adversidade e necessidade.
Alexis Thuller Pagliarini é sócio-fundador da ESG4
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