Quando Regina Duarte era namorada do Brasil, antes de virar ativista política e mostrar que, mesmo vindo de longe, não aprendeu muita coisa na caminhada, antes mesmo de ser Rainha da Sucata, foi estrela de um comercial para o IBGE. Naquele tempo, velhos tempos, campanhas do governo eram julgadas por profissionais. Não quero abrir discussão sobre lisura das decisões na cozinha da comunicação do governo. Nem criar polêmica sobre a qualidade da criação atual. Pelo amor de Deus, me coloquem fora dessa. Sou contra a saudade dos “Bons Tempos” até porque, por mais incrível que pareça hoje, um dia podemos ter saudade da época que estamos vivendo. Sabe-se lá a merda que estão criando para mais tarde?
Estou apenas me referindo à qualidade de algumas campanhas para o governo e para empresas estatais. Nenhuma ideologia. Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobras e muitos outros órgãos faziam comunicação de altíssima qualidade e resultado comprovável. As campanhas sobre vacinação (Zé Gotinha), da Caixa Econômica (com Luiz Fernando Guimarães), os cuidados relativos à Aids (como evitar o contágio) e muitas outras atingiram resultados facilmente mensuráveis. Uma dessas campanhas virou case mundial. Eu escrevi mundial, parece força de expressão, mas não é. Sei do que estou falando.
Foi criada para o IBGE para incentivar as pessoas a receber o agente recenseador nas suas casas e responder um questionário bem taludo. O briefing passado era bastante técnico e veio em anexo uma coleção de materiais usados no mundo inteiro. Todos explicavam o quanto era importante receber o agente recenseador e qual o objetivo da pesquisa. Para se ter uma ideia, em certos países o agente era acompanhado pela polícia. Outros explicavam com detalhes os objetivos do censo através de imensos comerciais. Um país produziu uma coleção de charts para ajudar na explicação sobre a importância de responder com exatidão às perguntas. Depois de ver tudo, resolvemos arriscar. Criamos um comercial de TV que era uma agente recenseadora batendo à porta de uma casa, e descobrindo que a pessoa que abriu era… a Regina Duarte. Ela (a recenseadora) explicava rapidamente para que servia a pesquisa e era recebida pela Regina Duarte da sala. Enquanto falavam, um locutor repetia o tema: “abra a porta para o IBGE – as informações que você der servirão para o Brasil se conhecer melhor e planejar o futuro”. Terminava com um close de Regina dizendo: “abra a porta para o IBGE!” Só isso.
O resultado? Foi o menor índice de recusa do mundo inteiro, incluindo os países governados por ditadores e outros, digamos, considerados mais “civilizados” do que o Brasil. Nossos números foram arrasadores. E eu tive a alegria de conhecer Regina, ainda morando no interior, levando uma vida pacata, apesar de ser um sucesso nacional. Uma boa pessoa, simples, afetuosa, educada. A atriz que contracenou com ela, a recenseadora, se sentiu à vontade para lhe pedir conselhos. E ela deu autógrafos aos técnicos, insistiu em esperar o motorista da Kombi tomar um lanche e se dispôs a fazer um depoimento gravado para abrir e encerrar os cursos para os recenseadores, inclusive uma versão meio que fizemos só por brincadeira. Um doce.
Não estou aqui dizendo que ela mudou, que azedou ou que o sucesso tenha lhe subido à cabeça. Nada disso. Tudo que sei dela nos dias de hoje é que assumiu um posto no governo, levou um pé na bunda, aceitou um carguinho-consolação e teve um chilique numa entrevista para a TV. Não é propriamente um final feliz, de quem ganhou uma multidão de admiradores. Outro dia me falaram que ela declarou que não concordava com as atitudes da Malu Mulher, personagem que ela criou lindamente, dando vida e verdade a uma pessoa engajada, humana, sensata. Qualidades que, pelo que vi na TV, ela deve ter perdido. Nesse caso, é uma história que termina sem happy end.
Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor (lulavieira.luvi@gmail.com)