Cada vez usamos uma linguagem com menor compromisso com a realidade e mais exagero, ou seja, estamos viciados em hipérboles, em rotular coisas até abaixo dos padrões essenciais como sendo “experiências exclusivas”, “inesquecíveis”, “únicas”, “maravilhosas” e por aí vai. Essa deformação de linguagem leva à deformação de nosso próprio pensamento e na redução dos critérios com os quais julgamos nossas propostas e, ainda pior, como avaliamos o que nos é proposto.
A verdade é que nos afastamos do básico, às vezes do fundamentalmente básico, do essencial, que está sendo deixado de lado por uma geração de profissionais de marketing e publicidade preocupados em sofisticar e “elevar o nível” do que fazem, assumindo que tudo está muito bem e que é preciso “buscar um grau acima”, segundo uma ótima reflexão feita por Helen Edwards, na Marketing Week. A realidade do mercado, porém, é que os consumidores se queixam do não-atendimento das promessas básicas das marcas de produtos e serviços e no fundo sentem-se ludibriados e enfadados com promessas de “experiências” e coisas fora do comum que se colocam como se o fundamental já estivesse sendo entregue.
A conclusão é direta: antes de complicar, é preciso fazer direito o que deve ser feito, de modo a conquistar, ou reconquistar, a confiança da clientela e gerar eficácia real acima da eficiência ilusória. No caso da publicidade, que se vê aqui no Brasil, muito, e nos principais mercados do mundo, um pouco menos, mas igualmente preocupante, é que passamos por uma fase ruim, pior do que no passado recente.
Na falta de originalidade das nossas proposições de posicionamento, marketing, branding e conteúdo das mensagens, exageramos, carregamos nas cores e nas promessas hiperbólicas, na ilusão de compensar as deficiências básicas, dos padrões mínimos esperados – e pagos – pelos consumidores. A inesquecível consideração de David Ogilvy permanece mais válida do que nunca, pois no fundo continuamos acreditando que os consumidores são bobos e vão cair na nossa conversa. “O consumidor, ele dizia, não é um idiota. Ele é sua mãe, seu filho, seu irmão…”
E, nas mensagens que fazemos, na ausência de autoridade da própria marca ou de verdadeiros experts no assunto em pauta para testemunhar, terceirizamos para uma celebridade e, na falta de verba, para uma subcelebridade. Se a grana não der nem para isso, apelamos para a “diversidade”, ou seja, encaixamos um obeso, um anão ou qualquer tipo físico diferenciado na figuração. Antes, quando não tínhamos o que falar, cantávamos, dançávamos, usávamos crianças e cachorros. Era melhor, porque pelos menos era divertido e envolvente. Agora, fazemos uma mensagem cabeça, cool, disruptiva, sem muita conexão com a realidade ou a própria mensagem em si.
Antes de pensar na mídia, em uma estratégia e tática diferenciada e inteligente, apelamos para um algoritmo disponível no pacote do veículo que, depois, para provar que nossa decisão estava correta e a mídia também, utiliza uma métrica a propósito, desenhada sob medida para deixar todo mundo da cadeia decisória confortável. Quando se apelava para o rotineiro rotativo da TV, era bem melhor. Porque pelo menos falávamos com muita gente e acionávamos o sempre poderoso efeito halo da publicidade.
O resultado, que não é uma exclusividade brasileira, como apontado, é que a publicidade vem falhando no básico, de comunicar e vender, tornando-se menos eficaz e colaborando para um ciclo vicioso de menos resultados, menor valor do que fazemos e busca, pelos anunciantes, de soluções tecnológicas inovadoras – na real, porém, estrutural, conceitual e irremediavelmente fakes.
Rafael Sampaio é consultor em propaganda (rafaelsampaio103@gmail.com)