“A era da inocência do consumidor acabou. Se é que algum dia ela existiu.” É assim que o diretor de contas da Ipsos MediaCT, Diego Oliveira, define a principal mudança de comportamento do consumidor brasileiro do século 20 para o atual. E o combustível que move essa mudança é a internet. Não por acaso, o digital está entre as tendências de consumo global divulgadas pela Trendwatching.com (veja na página 6).
Dados de pesquisa sobre consumo realizada pela Ipsos
MediaCT recentemente revelam que 78% dos consumidores não imaginam a vida sem internet. É nesse ambiente que as pessoas buscam, cada dia mais, recomendações antes de fazer uma compra e onde também fazem suas reclamações quando algo vai mal.
O estudo da Ipsos MediaCT mostra que os consumidores estão mais experientes, curiosos e conselheiros. Antes de realizar a compra, eles apreciam a opinião dos outros. Segundo a pesquisa, 91% dos entrevistados gostam de comprar por recomendação e 42% dos entrevistados pedem e recebem conselhos para realização de compras com frequência. Os dados mostram ainda que 10% dos consumidores influenciam a compra dos outros 90%.
O COO e VP de planejamento estratégico da Y&R, David Laloum, lembrou que o acesso à informação mudou o perfil dos compradores. “O consumidor brasileiro de hoje é muito mais informado do que era no passado. Esse é o ponto principal e a razão de várias outras mudanças. A diversidade de fontes e o aumento da intensidade da informação alteram profundamente os processos de decisão, cada vez mais complexos e difíceis de monitorar”, fala. A quantidade de opções de marcas também dá muito mais poder ao cliente. “Um consumidor tem hoje ao seu dispor mais de cem variações de marcas de xampu, por exemplo, nas gôndolas de um supermercado médio para escolher. Um cliente, portanto, muito mais crítico e exigente, com muito mais poder e difícil de atingir com a mensagem”, conclui.
Se é na internet que estão os possíveis compradores, é lá também que as agências mais atuam – e não apenas para gerenciar crises desencadeadas por reclamações, mas principalmente para pesquisar e mapear seus públicos.
De acordo com Oliveira, essa reformulação começou no início dos anos 2000, com a explosão do comércio eletrônico no Brasil. “Hoje temos consumidores totalmente emancipados e bem informados. Além disso, surgiu igualmente o consumidor
showroomer, aquele que experimenta produtos ou serviços em lojas físicas, mas acaba comprando em outros estabelecimentos online – o que também tem preocupado, e muito, o varejo em geral”, explica. A pesquisa da Ipsos MediaCT aponta que 61% dos consumidores gostam de visitar lojas antes de fazer uma compra.
AGÊNCIAS
Sylvio Lindenberg, diretor de estratégia e integração digital da Salles Chemistri, concorda que este é um desafio para os varejistas. No entanto, mesmo que o crescimento dos showroomers represente uma concorrência para as lojas físicas, é a internet a real porta de acesso ao consumidor, tornando-se, na verdade, uma aliada das marcas. “As pesquisas do Google e outros publishers são muito ricas e relevantes, nos ajudam a iniciar um planejamento. Partimos dessas premissas e vamos para algo mais amplo, com ferramentas próprias, que nos permitem traçar o perfil do consumidor de um determinado produto. Hoje, a internet nos dá acesso a vários dados comportamentais das pessoas, o que resulta em campanhas mais assertivas”, conta o executivo.
Lindenberg lembra que, embora não seja novidade – está presente nas agências há pelo menos dez anos –, esse trabalho de Business Inteligence (BI) vem ganhando cada vez mais espaço. Na Salles Chemistri, por exemplo, “funciona como um corretor de rotas de planejamento”, diz.
Na J.Walter Thompson, todo esse trabalho de acompanhar o consumidor e formar perfis a partir do meio digital também é feito com
a utilização de ferramentas próprias e de mercado, mesmo que as campanhas envolvam outras mídias. “É preciso pensar que aquilo que você faz em todas as mídias acaba repercutindo no meio digital. Isso vai acontecer. Na JWT, o digital não é separado da criação – faz parte da inteligência da agência, é orgânico”, explica Douglas Mello, diretor de planejamento da J.Walter Thompson.
Para Mello, a consolidação desses meios de pesquisa para traçar o perfil do consumidor se deu há aproximadamente dois anos. “Esse trabalho de acompanhar o consumidor era uma tendência, tivemos um momento de mudança abrupta que foi se consolidando. De dois anos para cá, ficou mais forte, pois percebemos um consumidor muito mais informado e crítico, que entende melhor como as marcas e a propaganda atuam. Portanto, ele reage e se manifesta. O consumidor que critica, por exemplo, nos permite notar que algumas campanhas são pensadas de um jeito e recebidas de outro, precisando, muitas vezes, ser alteradas”, detalha.
Outra agência que investe no monitoramento é a Y&R. Lá a área de inteligência é parte fundamental do processo de construção do produto final, por isso a agência investe pesado em ferramentas e equipe especializada em inteligência de mercado e inteligência de mídia, segundo Laloum. “O papel desse time é digerir e transformar o mar de informações que são geradas tanto por nossas ferramentas como pelo próprio cliente e, é claro, pelo consumidor. É muito diferente trabalhar comunicação com o embasamento de insights reais, conhecendo em profundidade o negócio do cliente e as novas demandas do consumidor”, afirma.
MONITORAMENTO
Na DM9DDB, há cerca de dois anos, foi criada a Sala Digital, com o objetivo de fazer um monitoramento mais próximo e mais profundo do que está sendo falado sobre as marcas em geral e do comportamento dos consumidores. “É um caldeirão de como o consumidor se comporta. Conseguimos ver se há diferenças regionais, se é a mesma resposta para homens e mulheres, por exemplo”, explica Igor Puga, Chief Interactive Officer da agência. A Sala Digital reúne, em um só espaço, todos os indicadores necessários para o trabalho. O executivo lembra que, no entanto, de nada adiantam esses dados reunidos se não houver profissionais aptos a ler as informações. “A parte importante é a agência usar isso de forma inteligente”, opina.
Um diferencial importante para as agências que usam esse tipo de monitoramento é conseguir ir além da análise comum. “Com esse recurso, conseguimos mapear quando o consumidor sai do óbvio e atingi-lo em um momento mais propício”, destaca Puga.
Outra função do trabalho de BI nas agências é identificar oportunidades para superar os momentos de crises. No departamento de pesquisas e insights da WMcCann, o trabalho de traçar o perfil do consumidor está cada vez mais em evidência. “O momento de boom da classe C representou um marco na mudança de comportamento do consumidor e a publicidade usou isso a seu favor. Chegou um momento em que o consumidor tinha uma boa parte do salário comprometida com compras parceladas. No ano passado, isso ficou claro. Foi um período atípico também em razão da Copa do Mundo. Notamos uma maior procura das empresas para conhecer melhor o consumidor e fazer investimentos assertivos. Em momentos de crise, essa demanda aumenta, pois os clientes querem ter certeza do investimento. Acredito que agora teremos uma demanda muito maior para o departamento”, prevê Carolina Buzetto, diretora de planejamento e pesquisa de mídia da agência.
CUIDADOSOS
O estudo da Ipsos MediaCT também mostra que 66% das pessoas ouvidas são muito cuidadosas com o que gastam. No entanto, um dado curioso é que 43% não conseguem guardar dinheiro. Uma das táticas usadas por 45% dos consumidores é fixar um valor máximo para as compras do mês e não o ultrapassar. O cartão de crédito é muito usado: 18% não se imaginam sem o dinheiro plástico e 28% dos ouvidos na pesquisa, quando precisam de alguma coisa, preferem comprar a crédito a esperar para pagar à vista.
Uma característica do novo consumidor que já não é novidade para as marcas é que a fidelidade do cliente não é mais a mesma. Segundo o estudo da Ipsos MediaCT, 52% gostam de experimentar novos produtos e marcas. “O desafio das marcas para alcançar e sensibilizar esse consumidor disperso e superestimulado passa por criar canais de conversa diferentes. Esse consumidor, cada vez menos, aceita ser interrompido por um filme de 30 segundos na sua TV. Eu diria que a grande maioria das marcas já entendeu essa nova dinâmica, mas isso não significa necessariamente que elas estejam preparadas”, fala Laloum.
Puga destaca que a curva de decisão desse novo consumidor é diferente. “Em 24 horas ele passa de amor para ódio à marca. Às vezes, tem pouco a ver com a comunicação. O consumidor é muito volátil. Há dois anos, as características eram bem mais previsíveis. O consumidor hoje muda de decisão com velocidade”, afirma Puga. Segundo o executivo, essa mudança de opção repentina por determinada marca, algumas vezes, nem é por insatisfação, mas por curiosidade. “O consumidor não mudou de X para Y. É apenas experimentação. O ciclo de pensamento para mudar de ideia é muito menor hoje”, afirma.