Vou contar uma história sobre ratos. Como, minha senhora, vou falar de política? Não, ratos mesmo. Rattus Rattus, aquele bicho nojento que rói tudo, se reproduz loucamente e se supõe que seja a caça preferida dos gatos. E na história entra também a Rosa Magalhães, que está nos noticiários por ter sido contratada este ano pela Escola de Samba Estácio de Sá para cuidar do seu desfile. Aliás, Rosa nunca sai do noticiário, seja como profissional de TV, professora ou como a maior vencedora de desfiles de escola de samba na Marquês de Sapucaí. Uma craque. A história que junta Rosa e os ratos é a seguinte.

Estava ela produzindo a minissérie O Tempo e o Vento para a Rede Globo e uma determinada cena exigia a participação de 30 ratos. Exatamente isso: 30 ratos. Rosa, profissional experiente, nem pestanejou. Vamos achar 30 ratos e bola pra frente. Chamou a equipe e comandou a busca e apreensão de pouco menos do que três dúzias de roedores, fazendo cara de que fosse a mais pura rotina. Naquele dia já tinham conseguido um escudo medieval, um Ford Bigode, uma efígie de Carlos Gomes e um rifle de faroeste americano. Trinta ratos era, de certa forma, normal. Em algumas horas a turma conseguiu o número necessário de bichos e comunicado ao diretor, Paulo José, que estavam prontos.

E não é que Paulo resolve não gostar da cor dos ratos? “Quero ratos cinzas”, disse. “Vocês me trouxeram ratos pretos. É muito chinfrim”. Numa hora dessas não se discute com diretor. Se ele acha que rato tem de ser cinza, rato bom é rato cinza e acabou a conversa. E aí, o que fazer? Rosa resolveu apelar para a criatividade: pintou, ou melhor, grafitou os ratos. Mandou buscar alguns quilos de grafite em pó e maquiou os ratinhos, um a um, dando a eles uma elegante coloração cinza-prata, um grisalho com qualidade global. O único problema é que rato deve ser alérgico a grafite e começaram a morrer, talvez se suicidar de vergonha. O fato é que o elenco de roedores foi se desfazendo pouco a pouco. Ninguém teve coragem de avisar Paulo José que se ele não começasse logo a gravar ia faltar rato. Mas não se aporrinha diretor com questões rasteiras. Sendo assim, depois de demorada discussão, ficou estabelecido que iriam conseguir uma troupe de ratos substituta e pintá-los somente na hora de entrar em cena. Se algum morresse nessa hora, seria um sacrifício à arte.

Um integrante da equipe de produção foi nomeado pastor de rato, encarregado de vigiar o rebanho e acinzentá-lo quando necessário, ou seja, na hora de entrar em cena. Mas Paulo José desistiu dessa passagem com os bichos. Em outras palavras, o elenco roedor estava dispensado. Problema: o que fazer com dezenas de ratos engaiolados? O protocolo global reza que você deve pagar a diária, agradecer pelo empenho e dispensar. Totalmente puto da vida, o pastor dos ratos obedeceu ao protocolo. Abriu as gaiolas e mandou todo mundo para casa, ou seja, o esgoto mais próximo. Agora vocês podem imaginar um rebanho de ratos andando pelo Projac, na busca de um lar? Teve tantos desmaios e chiliques que o dia entrou para a história como A Invasão dos Ratos. Que hoje poderia ser entendido como crítica política.

Outra história que ela contou foi de quando acompanhou a bateria de uma escola de samba, onde era diretora, numa excursão pela Europa. Estava no seu quarto, dormindo, quando a direção do hotel telefonou dizendo que havia uma batucada infernal na rua e que a vizinhança havia chamado a polícia por não conseguir dormir. Rosa, irritadíssima, vestiu-se e desceu, mandando todo mundo ir para os quartos aos gritos, ao mesmo tempo que fazia um discurso em nome da imagem do Brasil e dos brasileiros. Houve um silêncio total, cabeças baixas, até que Rosa, assustada, percebeu que não conhecia ninguém do grupo. Ou seja: ela tinha acabado no grito a festa de uma turma que não era a sua.

Ela foi saindo de fininho e, da porta do hotel, mandou todo mundo à merda e foi dormir. Por pura vingança, telefonou para o gerente que a tinha acordado e recomendou que ele tomasse mais cuidado em identificar qual a nacionalidade dos hóspedes inconvenientes antes de encher o saco. E, para completar a noite, afirmou que nós, brasileiros, somos um povo educadíssimo e zeloso com as boas maneiras. E que ele fosse à puta que o pariu.

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa e da Approach Comunicação, radialista, escritor, editor e professor
lulavieira.luvi@gmail.com