Eduardo Maruri é CEO Latam da Grey e cuida de 13 agências. No Brasil antes de ir a Cannes, ele afirmou que a unidade brasileira será a maior da rede em 2018 e vive seu melhor ano (dias depois, a agência conquistou um GP em Mobile). “A Grey Brasil é o melhor segredo guardado da indústria”, diz, destacando sua reputação criativa, liderança e clientes. Nesta entrevista, ele comenta o valor da criatividade, a busca por um novo mindset criativo, as mudanças de Cannes Lions e a postura com os temas igualdade de gênero e diversidade.
Por que escolheram a Marcia Esteves para assumir a Grey Brasil?
Surgiu uma oportunidade de o Rodrigo Jatene ir para a Grey em Los Angeles, e poderíamos trazer alguém de fora ou promover. Por cultura, sempre tento que pessoas dentro da agência tenham uma oportunidade. Antes de contratar olhamos o que temos. Vimos no Adriano Matos a pessoa certa para liderar a criatividade, e na Marcia para liderar sozinha. Demos a chance dela se provar como a grande líder que ela é. Meu trabalho é dar suporte a ela, guidelines e ajudar quando precisar, e criar as condições para ela e o restante da organização brilharem. A decisão por ela nos deixa muito orgulhosos. É a única mulher na Grey Latam como presidente de uma agência. Esse é um dos fatores porque acho que este será o melhor ano da Grey Brasil.
Quais são os outros fatores?
Além de liderança, a reputação criativa e um sólido portfólio de clientes. A agência está em seu melhor momento histórico, é o melhor segredo guardado da indústria. Estou orgulhoso de fazer parte desse processo e estou convencido de que só virão coisas melhores.
Ter uma mulher à frente da agência está no contexto de questões de igualdade de gênero e diversidade? Como a Grey se posiciona frente a essas discussões?
A Grey não busca igualdade de gênero ou diversidade por justiça, mas por negócio. As mulheres são grandes líderes e uma companhia diversa tem um produto melhor. Nossa convicção não é de ‘pobrezinho’, mas se é uma boa decisão ou não. As mulheres sofrem discriminação especialmente na América Latina e na Ásia, e estamos atentos para que não aconteça, mas na Grey ninguém sobe sem méritos. Evitar que discriminação ocorra não é a mesma coisa que promover mulheres, é assegurar que elas tenham as mesmas oportunidades. Se tenho um homem e uma mulher em igualdade de condições e de experiência, prefiro mulher, porque são menos. Em muitos países são só homens. Queremos chegar a 50/50. Falta muito.
E como lidam com a questão de assédio sexual, prática cada vez mais denunciada e combatida nas agências?
Não só a Grey, mas a holding WPP tem um hotline anônimo. As denúncias são investigadas imediatamente e, se houver provas, a pessoa sai na hora. Não há segundas chances. É raro ter uma denúncia falsa e geralmente há provas, uma foto, mensagem no WhatsApp… O canal vale para abuso sexual, maus-tratos, abuso verbal… Qualquer coisa que não seja profissional. Qualquer mulher ou homem pode denunciar, e tudo é investigado.
Como avalia o caminho que o Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions tomou após as mudanças anunciadas?
Positivo, porque significa que Cannes escutou, reagindo e evoluindo para algo que tem mais sentido. Parece-me que Cannes mantém-se vigente como o festival mais importante do mundo, como referência da criatividade global porque evolui, se adapta, se atualiza e escuta. E todo mundo gosta de ir à Riviera Francesa.
A Grey tem tido bons resultados nos últimos anos, especialmente em 2017, sendo a quarta mais premiada. Ao que credita esse desempenho?
A três fatores em processo permanente: um é trabalhar o ano todo. Nosso ano começa dia 1º de julho e termina dia 15 de maio. Ele para durante Cannes e depois começa de novo. A segunda é que os criativos estão acima e a criatividade é muito importante. Em outras agências os CEOs são de finanças e às vezes não têm tanta convicção na criação. Na Grey é importante que a cabeça seja criativa. Isso faz diferença, porque esse é o coração e a força da agência. E terceiro é que investimos na equipe, em melhorias e em conhecimento. Não é só falar. É falar e fazer.
Você está confiante para este ano?
Nunca estou confiante. Cannes é como ir às Olímpiadas. Digamos que você é um corredor e vai correr os 100 metros. Treina o ano inteiro, seu tempo vai de 9.8 para 9.6, e isso é tudo que pode fazer. Mas não sabe se outros vão fazer 9.4, 9.2… Tudo que você pode fazer é o seu melhor. O restante é desconhecido. Eu sei o que tenho, mas não sei o que os outros têm. Você nunca sabe, tem de fazer seu melhor e cruzar os dedos, porque nada é garantido. Cannes é um monstro de oito cabeças, quando pensa que o dominou ele te morde. É imprevisível.
Até porque o processo de avaliação é muito complexo…
Com certeza, é muita discussão e com muitos pontos de vista diferentes. O bom de Cannes é que ao fim do dia só os melhores ganham ouro e Grand Prix. Na cerimônia de premiação, quando você vê os ouros sabe que são ouros. Sem dúvidas. Talvez entre prata e bronze tenha uma pequena diferença. Mas os ouros são ouros. E os GPs são GPs.
A criatividade brasileira continua em destaque e em uma curva crescente no festival?
Sim, essa sempre foi uma característica e não vai mudar porque é parte do DNA do Brasil. É um país muito criativo, com grandes talentos na música, no esporte, na arte, em sua essência. E isso reflete na publicidade.
Diante das transformações naturais do mercado, que tipo de mudanças você enxerga na criatividade da publicidade brasileira?
Vejo principalmente uma transição geracional. Os grandes ícones da publicidade brasileira dos anos 1990 estão saindo, e nos últimos quatro ou cinco anos há uma nova geração de criativos tomando essas posições. É um momento de transição de ícones. Mas será difícil que tenha dois ou três como antes. Acredito que será mais como há em outros países mais desenvolvidos. Quem é o grande criativo dos Estados Unidos e de Londres? São muitos.
Há transformações nesse sentido em curso na Grey?
Há algumas mudanças que não posso comentar ainda, muito positivas. E em todos os países estão sendo feitos alguns ajustes para que todos tenham a criatividade acima e no centro. E isso significa também complementar a oferta de serviços com produtos que ajudem a criatividade, por exemplo, incorporar a produção de pequenas coisas internamente. Hoje a criatividade não está só nos grandes comerciais, pode estar em algo que se faz em cinco minutos. A criatividade não é um formato rígido e grande. Por exemplo, temos no México um estúdio que filma gifs. Queremos que o mindset de todas as agências seja de criatividade e produção. Já não há semanas para produzir, é amanhã, hoje. É fazer. A criatividade, às vezes, se manifesta na produção, e isso precisa estar à mão. Estamos incorporando capacidades de produção básica para que os criativos possam brincar em tempo real.
Como esse foco na criatividade ajuda no desafio da publicidade de se tornar relevante e sustentável em meios como a internet?
Nós da publicidade temos de entender que as pessoas não querem ver o que a gente faz. Ninguém quer publicidade, nem na TV nem na internet. Se estou assistindo a um jogo da Copa do Mundo, a última coisa que quero ver é publicidade, ela não me interessa. Por isso a criatividade fica mais importante. O mundo do conteúdo é o futuro. O jeito é saber como incorporar a marca em algo que as pessoas queiram e desfrutem ver. E isso não é um comercial de 30 segundos nem um banner no site. Precisamos pensar como entrar organicamente, de forma que o espectador se sinta bem, que a marca esteja naturalmente presente naquele momento. Com mais razão precisaremos ter storytellers e criativos com um mindset diferente.
A mídia se aproxima da criação nesse contexto? Isso significa que mais barreiras estão caindo?
Sim. Por exemplo, o vídeo do Porta dos Fundos para o Spoletto: isso é criatividade, mídia e produção. Os criativos têm de integrar ao pensamento não só a capacidade criativa, mas os meios. Ideia criativa, produção e mídia são uma coisa só e andam de mãos dadas. Precisamos do mindset criativo no departamento de mídia, do mindset de mídia nos criativos, e a produção no meio com mindset criativo. A criatividade não é propriedade dos criativos, mas de todos da agência. Os departamentos estão perdendo mais barreiras. Não é departamento de mídia, de criação, é departamento Grey. O cliente é o centro, todo o restante fica ao redor dele, que precisa de simplicidade e soluções.
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