Com 21 prêmios no Cannes Lions 2021, dos quais um Grand Prix, seis ouros, quatro pratas e 10 bronzes, a Africa foi eleita pela organização do festival como líder do ranking da região Latam. De acordo com Sergio Gordilho, que divide o comando da agência com Marcio Santoro e lidera a área de criação, prêmio é isca para se chegar mais longe. “Prêmio enferruja”, diz ele, “mas provoca ambição e celebra o melhor de uma indústria”, completa. A agência está consolidando o conceito Africa Studios para a produção de ideias concebidas no home office. Confira a sua entrevista.

A Africa é a Agência do Ano da região Latam do Cannes Lions 2021 e, com os 21 Leões e um GP, a mais premiada da rede DDB. O que isso representa nesses 21 anos da agência?
O que precisa ficar muito claro é que o prêmio em si enferruja. O que vale é o processo para se ganhar prêmio. Ou seja, criar as condições para que as pessoas tenham o poder de produzir. Isso tem a ver com a construção de ambição. Que é necessária para quem é criativo. Quanto maior for o desafio global melhores equipes a agência vai reunir. Infraestrutura para as pessoas colocarem ideias em prática; liberdade para acertar e errar sem diferença de percurso e estimular a ambição. Sempre em busca de aprendizados. Porque quando se ganha um prêmio se aprendeu tudo o que podia. O bom é quando não se ganha e descobrir por que não ganhou, para tentar consertar. O prêmio é a isca para chegarmos mais longe. É a flecha que se joga lá na frente para se correr atrás.

A indústria é baseada em prêmio?
Não, mas quem questiona prêmio não ganha. O prêmio, no cinema, na música, no teatro e na publicidade, faz parte do contexto. O Oscar premia o melhor do cinema. O Emmy, a TV. O Grammy, a música. Prêmio é para celebrar o melhor da indústria criativa.

E é uma forma de incentivo?
Sim, mas também é uma provocação. Isso envolve o insight, a identificação da verdade da marca, aprovação, veiculação e fazer acontecer. O processo é mais complexo.

Como se constrói ambição?
Todo criativo tem características que fazem parte do mind set da nossa indústria. Criatividade não é um departamento. Faz parte do todo. Quem trabalha em publicidade é extremamente curioso, questionador e resiliente. A curiosidade estimula a busca e testar coisas novas. A resiliência motiva fazer acontecer, mesmo com os muitos nãos que recebemos. A consistência desse tripé faz a ideia se manter de pé.

Em suas palavras, o que é ideia?
É sobre relações. Aprova-se uma ideia devido à proximidade com uma marca. E isso ocorre porque ela acredita na agência e no profissional. A ideia precisa construir engajamento da marca com o consumidor para ele ter uma relação melhor com ela.

O que é mais precioso em uma agência de publicidade?
O tempo das pessoas. Que é precioso na vida. Não é dinheiro em banco ou o melhor carro. O tempo determina o melhor valor da vida. A indústria da criatividade exige muito tempo das pessoas. Mesmo fora da agência, está observando e pensando. O criativo já está enxergando como será o pós-pandemia, como será o mundo e como serão as crianças de dois a três anos nesse futuro. Criativo pensa nos problemas para gerar soluções. Somos obcecados por solução. Prêmio é consequência.

O que as marcas precisam?
De propósito. Assim como os publicitários. Temos de questionar: se desaparecêssemos agora alguém ia sentir nossa falta? Propósito traz relevância, engajamento e constrói relações. A relação com marca é como a que temos com o amigo de infância; que podemos confiar. Focar no prêmio é interesseiro e não interessante.

Como o pós-pandemia está na pauta da Africa?
Durante muito tempo se falou no novo normal. É preciso inverter esse conceito para normal novo. Que é uma relação híbrida do que vai pegar de melhor desse período de pandemia, como maior proximidade com as famílias e valor à vida. Além de trazer um pouco do passado que tínhamos com a busca de qualidade.

Sergio Gordilho co-CEO e CCO da Africa, lança estúdio para a produção de ideias (Alê Oliveira)

Como isso se aplica?
Internamente estamos mudando o nome para Africa Stúdios. Que é o lugar para a equipe produzir. Por vontade própria para discutir insights e produzir campanhas. Pode-se criar de casa, que é mais leve e gostoso. A relação que tenho com meus filhos hoje é muito melhor do que há três anos. Não vou abrir mão disso. Mas liberdade com responsabilidade. No final, temos de entregar qualidade. E isso se cobra.

O que norteia o conceito Africa Stúdios?
É a construção de um ambiente que os profissionais não têm no home office: o poder de produzir. A criação pode ser feita de qualquer lugar, mas esses locais não têm a ilha necessária, o espaço, câmeras, pessoas. A distância temos a possibilidade de ter ideias mais frescas e novas. Mas a chance de produzir é zero. Tanto que a qualidade do trabalho global, exceto a animação, caiu bastante. Produção é agregar e juntar pessoas com características e habilidades diferentes. A Africa Studios será um local de produção com as melhores condições. Por outro lado, será um espaço para insights; um lounge de we work. Um local bacana onde se trabalha e se relaxa um pouco. O nosso negócio é a indústria da confiança. Porque é através da confiança que somos criativos. Assim, andamos pra frente. Quando uma marca acredita na agência, ela confia que a ideia será entregue. Como se pode construir confiança se a relação é afastada? Construímos confiança através da relação olho no olho, no fio do bigode. Não é na sala de zoom.

Não é porque a Africa está instalada no mesmo condomínio do Google, mas é um benchmark da filosofia da empresa de tecnologia?
O Google tem essa condição gregária de colocar as pessoas no patamar da confiança. Ou seja, ninguém vai ser prejudicado pelo colega do lado. Saber que o chefe vai dar apoio com uma decisão que deu errado. Isso é da relação de estar junto; de se aproximar. Sinto que estamos discutindo pouco a questão da confiança. A Africa quer isso mais presente. Não acredito em agência que não é liderada por um criativo. Brinco com o Marcio Santoro, com quem divido a posição de CEO, que somos garfo e faca. Se fôssemos um restaurante, seria como o chef de cozinha e o mâitre. Essa combinação de criatividade com negócios é o que tentamos na Africa. Além de formar profissionais para serem líderes em outras agências. O modelo da Africa exige liderança criativa.

Por quê?
A valorização dos criativos precisa ser retomada. Na área da mídia, de dados e até da área de criação. Há pouca valorização da criatividade. As discussões são muito rasas. Quando um diretor de marketing não conhece quem cria as suas campanhas, o trabalho não vai ficar bom. Precisamos voltar e aplicar aprendizados do passado. As grandes agências tinham criativos que mantinham relação com as marcas. O relacionamento de anos do Marcello Serpa com Havaianas e Volkswagen é uma coisa linda. Essa é uma bandeira que defendo. Se tem algo positivo no zoom, foi que muitos profissionais descobriram nome e sobrenome de quem faz sua publicidade. A sala de zoom permite essa coisa mais democrática de ninguém ter crachá. Um dos aprendizados que tivemos com a pandemia é o de manter as relações.

Como foi sua experiência de trabalhar fora do Brasil?
Fiquei em Nova York quase três meses tentando entender esse processo de os Estados Unidos estar sempre um passo à frente, agora na questão da vacinação. Passamos um período sem se relacionar. Há uma geração de crianças que nunca tiveram um toque de outra criança. Olhar isso foi superpositivo. E também descobrir se eu conseguiria trabalhar a distância. No meu caso, a conclusão é que é impossível.

A publicidade brasileira é um dos vetores da economia criativa. Falta algo?
Primeiro, não olhar para a história. Publicidade é defesa das marcas e respeito pela memória. Ideias estão sendo repetidas como se fossem inéditas. Respeitar quem ajudou a consolidar essa indústria é primordial. Essas pessoas passaram a bola para a gente. Não podemos negar como se esses nomes não tivessem existido. O Brasil é o terceiro país mais criativo do mundo, segundo o último relatório do Cannes Lions, graças ao legado que herdamos.

E o segundo?
Ambição global. A Africa nunca se colocou apenas como uma agência brasileira. Não podemos pensar pequeno. Para ser global não precisa sair do Brasil.

E o terceiro ponto?
O respeito entre as agências. A Africa só é o que é por causa da AlmapBBDO, AKQA, GUT,
R/GA, Crispin Porter + Boguski, VMLY&R, Wunderman Thompson e FCB, por exemplo. A concorrência deve ser no sentido de um puxar o outro. Mercado com uma agência só não é criativo. A força do Brasil é a quantidade de agências premiadas que nos coloca na 3ª posição do ranking de criatividade global. Temos de defender a criatividade para evitar a perda de talentos.

O que é mais nocivo?
A distância faz com que algumas agências achem que só elas fazem a diferença no mercado brasileiro. Não acredito em um formato único de agência.

O que é motivo de orgulho?
Do trabalho que fazemos com a Central Única das Favelas (Cufa) com movimentos como o Panela Cheia. Levar mais público para o MAM e trazer cultura para fora das paredes. A Escola Africa treina e prepara estudantes para a indústria da comunicação. Pessoalmente, fazer parte do conselho do Hospital Pequeno Príncipe, especializado em câncer infantil. Estamos entrando com projeto para apoio dos transsexuais. Nossa indústria precisa entender que há diferença entre ganhar prêmio e ser prestigiado.