A fórmula clássica do storytelling está de volta com o aumento de campanhas com mais cara de conteúdo e menos jeito de publicidade. Produtoras têm sentido o interesse de clientes e de agências em sair do formato de 30 segundos e contar histórias sobre seus produtos de forma mais sutil e aprazível. Com isso, despontam formatos pouco convencionais, como minidocumentários, webséries e videoclipes, e produtoras estruturam áreas inteiras para dar conta dos projetos. “Storytelling existe desde sempre: é a arte de contar histórias. Mas, de um ano e meio para cá, projetos de conteúdo passaram a responder por grande parte do nosso faturamento – e estamos apostando nessa direção. Há dois anos, a área de comerciais de 30 segundos gerava a maior fatia de receita da casa e esse panorama mudou”, aponta Victor Lemos, diretor de entretenimento e de projetos especiais da Trator Filmes.
Um dos trabalhos pouco convencionais em que esteve envolvida foi o “Amazon Experience”, de autoria da 9ine, que levou o lutador Anderson Silva para uma comunidade indígena na Amazônia. O objetivo era enaltecer a “força” dada pelos produtos da Amazon Açaí. O vídeo do documentário teve 1,4 milhão de views no canal oficial da marca no YouTube. “Procuramos que o produto tenha peso nas histórias, mas que não seja o protagonista”, resume Lemos.
Fazer filmes publicitários sempre foi contar histórias. O clássico “O primeiro sutiã a gente nunca esquece”, de Washington Olivetto para a Valisère em 1987, é uma prova de que a técnica é antiga. Mas fatores como a internet, onde não há custo de mídia e a facilidade de distribuição de conteúdo é maior, têm facilitado formatos de maior duração. “A nossa premissa é que publicidade é contar histórias. O que vimos há alguns anos foi que os 30 segundos não era mais o único foco”, diz Gualter Pupo Filho, diretor de cena da Hungry Man Brasil.
No ano passado, a produtora criou uma série de projetos e foi bem recebida pelo mercado. “Fomos consultados neste ano para 50 projetos a serem desenvolvidos com agências”, diz. A produtora orçou projetos com a Tudo para a Brastemp, com a JWT para a Coca-Cola, com a F/Nazca S&S para a Skol e com o Google, entre outros. No momento, ela está trabalhando em um documentário com a Ogilvy para a Philips. O material exige uma estrutura específica e mais custosa. “Temos uma equipe de documentaristas. Passamos um mês filmando. Isso é diferente de um comercial de 30 segundos, que pode ser filmado em um dia. A linguagem é diferente”, pontua.
O diretor ainda vê espaço para o formato clássico do comercial de televisão, mas outras operações da Hungry Man têm ido em direção oposta. “Os 30 segundos ainda permanecerão por muito tempo aqui. Mas nosso escritório de Londres já vê outros formatos pesando mais no faturamento que os comerciais tradicionais. Acredito que os formatos alternativos irão aumentar significativamente no Brasil também”, analisa.
Foi de dentro de uma agência, a Y&R, que o redator André Castilho sentiu a demanda do mercado por conteúdo. Em maio de 2012, ele deixou o cargo de redator e, junto com Jorge Brivilati, diretor de arte com quem trabalhou na Y&R, montou a La Casa de La Madre, produtora especializada em storytelling. “A demanda por vídeos com mensagem mais extensa era crescente. Eu já estava roteirizando dentro da agência e vi formatos diferentes aparecendo, mas não havia estrutura dentro da casa. Foi quando decidimos montar a produtora”, conta Castilho.
Entre os projetos que desenvolveu nos últimos meses, estão uma websérie para a Hyundai, o personagem Janio, para a Danone, com a Havas Media, e um filme para a Jeep, com a Leo Burnett Tailor Made. O minidocumentário, filmado no Colorado (EUA), utilizou uma expedição de jipeiros como pano de fundo para contar uma jornada em busca de descobertas.
Patrícia Weiss, especialista em branded entertainment, diz que a era social, que gerou o colapso das narrativas lineares, demanda histórias que sejam maiores do que produtos. “A dificuldade das marcas e agências para atrair, capturar e reter a atenção da audiência aumenta sensivelmente, a cada dia. A saída é colocar o storytelling no centro da estratégia da marca”, diz.
Storytelling nos 30”
Georgia Guerra Peixe, diretora de cena da Delicatessen, acredita que o princípio da publicidade brasileira mudou: as piadas perderam força e as marcas estão buscando envolver a audiência, o que explica a busca por conteúdo. Mas, para ela, a televisão continua forte. “Praticamente todos os meus trabalhos precisam ter a versão do comercial de TV. O desafio é fazer a ideia caber nos 30 segundos”, diz.
A forma de “fazer caber” é criar conteúdos-chefe que se desdobram em outras telas. No filme “Poderosas do Brasil”, com a DM9DDB para a C&A, Georgia criou um minidocumentário de dois minutos para a internet em que narrava a trajetória de meninas anônimas que começavam a modelar. “Para os 30 segundos da TV, mostramos a grandiosidade do evento, o glamour, com tomadas da passarela e dos backstages. Para a internet, exploramos mais a história de cada uma”, explica.
Diretora há 15 anos, ela diz que a demanda por projetos assim cresceram muito nos últimos quatro anos. “A procura é enorme. Depois que comecei a trabalhar assim, virei produtora de audiovisual. Quebrei a barreira dos 30 segundos. Meus filmes têm cara de projeto, estou fascinada com esse novo momento”.
Parceiras essenciais
As produtoras se tornam parceiras mais essenciais às agências quando as estratégias passam por entretenimento e storytelling – e ampliam sua função como uma espécie de extensão da criação. O modelo participativo vem funcionando melhor. Mateus Moretto, sócio da Cinerama, diz que a tendência tem sido exatamente essa: a produtora participar ainda mais da criação junto à agência. No caso da Cinerama, isso vem ocorrendo com frequência: a produtora participa da estrutura do roteiro, dos desdobramentos e possibilidades para o material produzido. “Faz-se necessário saber tanto do tema quanto do cliente, para perceber oportunidades que ajudarão a desenvolver a história e a multiplicar o dinheiro investido”, diz Moretto.
Ele conta que desenvolveu, durante a Rio+20, uma parceria com a DPZ e a Firjan/Fiesp, que resultou em vídeo, game online, ações nas escolas e competição com entrega de prêmios. No vídeo foram apresentados quatro “heróis” criados pela produtora. O envolvimento com a missão desses heróis e a identificação dos jovens foi tanta que eles acabaram se materializando em personagens de carne e osso para participar da entrega dos prêmios.
“Foi gratificante perceber que o tom, a estrutura e todo o conceito adotados no vídeo – realizado em 3D estereoscópico – e no game cumpriram seu papel de motivar e engajá-los nos temas propostos. Essa experiência e outras estudadas hoje servem de ponto de partida para todos os projetos que estamos desenvolvendo”, diz Moretto, para quem storytelling é “dissecar” qualquer assunto e, de acordo com a intenção e estratégia, estabelecer a melhor maneira de apresentar cada parte para que o receptor tenha uma imagem final completa e que faça sentido.
Na Conspiração, as áreas de TV, de branded content e de novas mídias vêm crescendo substancialmente. Embora nem todo branded content exija conhecimentos específicos de storytelling, por outro lado, muitos projetos exigem e as produtoras estão bastante preparadas para atender às mais diversas demandas com conhecimentos dos meios disponíveis e dos formatos exigidos. Contam com times de bons roteiristas e profissionais de várias áreas que tornam tudo possível. Áreas essas que rendem à produtora quase R$ 50 milhões por ano.
Dos 300 funcionários da Conspiração, pelo menos 50 são dedicados à criação. “Antigamente recebíamos um roteiro de 30 segundos e executávamos. O diretor era a figura principal e o serviço das produtoras tornou-se quase commodity. Hoje, os projetos exigem maior trabalho e troca. Há gestores de projeto envolvidos e a conversa entre agência e produtora é muito maior. As marcas, de uma maneira geral, assumiram papéis mais amplos – sociais, educativos e de entretenimento. Isso torna o cenário todo mais interessante”, diz Fábio Seixas, diretor-executivo da Concept, núcleo de conteúdos para a internet e novas mídias da Conspiração.
O trabalho tornou-se mais colaborativo e mais criativo. Um dos exemplos é o projeto “Rio eu te amo”, capitaneado pela Conspiração e que envolve verbas de R$ 35 milhões e cinco grandes patrocinadores. Entre os projetos recentes que contaram com participação ativa das equipes criativas da Conspiração estão “De penetra nos penetras”, que envolveu as pessoas na produção do filme “Os penetras”, realizado para a Loducca e seu cliente Nextel. Outro, “Mulheres que perfumam”, para AlmapBBDO, O Boticário e W3Haus, teve a produção de uma série documental no canal H&H e na internet, que está no ar. Cada episódio mostra mulheres que se destacaram por melhorar o lugar onde moram. “Semana comédia” foi um projeto de criação de um canal de comédia para a R/GA e YouTube. Recentemente, a produtora também assinou o filme “Camaro amarelo” para a marca Siggo/Sascar (com a dupla Munhoz & Mariano) e a agência Idealista, de Silvio Matos. O clipe conta a história do suposto roubo do famoso Camaro da dupla sertaneja.