Por mais incrível e vergonhoso que pareça, só comecei a frequentar Cannes depois que inauguramos a BossaNovaFilms. A razão é muito simples (não tão simples assim pra mim): medo de voar. O único consolo, que eu espalhava orgulhoso aos quatro ventos, era que Tom Jobim e Vinicius de Moraes também tinham medo de avião.

Ganhei inúmeros Leões de todos os metais. Nenhum, graças a Deus, fantasma. O mais famoso Leão de ouro, “O primeiro sutiã”, só não foi Grand Prix, segundo as boas línguas, porque o jurado brasileiro votou contra. Mas é considerado um dos 100 melhores filmes da história da propaganda mundial.

Ganhei umas sete ou oito vezes o prêmio Profissionais do Ano da Globo. E o prêmio era passagem e inscrição para o Festival de Cannes. Sempre pedia o prêmio em dinheiro. No início consegui, mas depois não mais, porque eles alegavam, muito justamente, que a viagem ao festival era para aprimorar o nível profissional do contemplado. Perdi todas as passagens, infelizmente. Apesar de receber todo o conteúdo, filmes e informações dos festivais para me manter atualizado.

Nos últimos sete anos, fui seis vezes a Cannes, o suficiente para me arrepender de não ter ido antes. Não só por ter perdido o risoto do Hans no Le Mas Provençal ou os jantares no Pelouran. Mas principalmente pelas palestras e seminários, onde parece que se perde muito tempo, mas na verdade se aprende muito.

Em 2011, por exemplo, que foi um ano fraco, pude me deliciar com a palestra do Will.i.am, vocalista do grupo Black Eyed Peas. O tema do ano era tecnologia, 3D, interatividade etc. Quando o técnico de som do Palais chegou para arrumar o microfone de lapela (!) do Will, ele não perdeu a chance: “Wait a minute, vocês estão falando em alta tecnologia, novas formas de comunicação, Innovation, e vêm me colocar isto, um microfone de lapela?!!!”.

De resto, parece que todos os outros palestrantes chegaram às mesmas conclusões de sempre, quando a tônica do festival é alguma novidade técnica, como a nova onda do velho 3D: a de que isto irá influir apenas na parte formal. E forma sem ideia, sem criatividade, todos nós sabemos, não vale nada. Acho que por isso os organizadores do festival, cansados de ver tanta pirotecnia inscrita, resolveram mudar o nome para Festival de Criatividade. Assim, podem abrigar todas as peças criadas para novas formas de mídia e transmídia que surgem a cada segundo, intencionalmente ou acidentalmente, como se vê no longa-metragem “Mr. Bean em férias”.

Nesse filme, ele vai a Cannes tão apenas para ver o mar e acaba, sem querer, envolvido no Festival de Cinema de Cannes, do qual, o nosso de publicidade, ou criatividade é pura imitação, com o mesmo desfile de egos e fogueira de vaidades, como se fôssemos artistas puros e não artistas-vendedores.

Nesta comédia, lembro-me da cena em que o personagem Carson Clay, um diretor de cinema, magistralmente interpretado por Willem Dafoe, inebriado pela sua obra sendo projetada no Palais, não percebe o tédio da plateia. De repente, os atores do filme de Mr. Bean invadem a plateia numa cena ao vivo, frente à tela do filme “de arte” de Carson, como se fosse intencional, parte da obra, criando um espetáculo inesperado de interatividade. Ficção+ teatro ao vivo, pelo qual ele, Willem Dafoe, inicialmente surpreso e furioso, ao ser gloriosamente aplaudido pela plateia, acaba assumindo a interferência como se fosse parte de sua criação.

Sabemos que poucos diretores e criadores conseguem pular de uma categoria à outra. Ou reinar nas duas, cinema e publicidade, como Ridley e Tony Scott, Alan Parker, o nosso Fernando Meirelles e David Lynch. Que eu me lembre, Fellini fez apenas um comercial, para Campari. Um casal a bordo do restaurante de um trem que faz a paisagem na janela mudar com um controle remoto.

Mas tudo isso faz parte do folclore mágico dos Festivais de Cannes, não importa se de cinema, publicidade, ou criatividade. Porque cada vez mais tudo está virando uma coisa só. Branded Content ou Product Placement não são as palavras da moda? Quem não se lembra de “O Náufrago”, com Tom Hanks? Não é um belo comercial da Fedex e da Wilson? Por isso Dennis Hopper ia todo ano a Cannes para o nosso festival.

Sempre vale a pena ir a Cannes e poder ter o privilégio de ver ao vivo Michael Douglas ou o George Clooney (na pessoa de Marcello Serpa, seu sósia, como foi apresentado na sua palestra) de perto, opinando.

Aliás, por falar em sósias, uma vez passeando à noite pela Croisette, com meu amigo e na época diretor da Bossa, Paulo Gama, fomos abordados por fãs com pedidos de autógrafos. Pensei que estavam me confundindo com o Rowan Atkinson. Mas não, pensaram que o Paulo era o Dennis Hopper.

Valeu por um Leão!

*Julio Xavier tem mais de 40 anos de carreira, dirigiu cerca de 1.600 filmes, é sócio da BossaNovaFilms e corinthiano roxo