Sou cliente do Bradesco há uns 30 anos, e não vou deixar de ser por isso, mas me sinto na obrigação de expressar, até para estimular um saudável debate entre meus colegas, a minha estupefata surpresa com o novo slogan que o banco acaba de adotar. Alguém sabe aí de cabeça? Se não sabe, eu informo: pasmem, é Entre nós, você vem primeiro.

Bem, a menos que seja avaliada, juridicamente, como uma sentença etérea o bastante, para que nenhuma reivindicação se sustente naquilo que ela expressa, seria uma excelente oportunidade para que nós, outros, exercêssemos nossos direitos sobre tão nobre e espantosa promessa. Vamos lá. Primeiro, há que se descobrir quem são os “nós”, a quem o slogan se refere. Seríamos eu (cliente) e ele (banco)? Tomemos que assim seja. Nesse caso, eu (cliente) viria “primeiro” do que ele (banco), em qualquer circunstância, inclusive, no uso da vaga da diretoria no estacionamento.

A segunda questão é esclarecer: é “você vem primeiro” para que efeito? Seria no sentido de privilegiado nos benefícios oriundos da nossa relação? Ou seja, eu passo a ser, por exemplo, o destinatário dos lucros obtidos com um financiamento concedido a mim mesmo?

Outra coisa: suponhamos que eu solicite um empréstimo, mas que não tenha garantias suficientes a oferecer? O gerente, diante dos fatos, seguindo o preceito da assinatura da marca, deveria me dizer: “A sua situação creditícia não é compatível com o valor solicitado, mas... como ‘entre nós, você vem primeiro’, o empréstimo lhe será concedido, sem maiores exigências”. E o banco arcaria com uma eventual perda, caso eu não tivesse condições de quitar a dívida. Aliás, seria até conveniente que eu fosse ao banco e dissesse “não posso pagar a dívida”, e o gerente deveria me responder “tudo bem, afinal, ‘entre nós, você vem primeiro’”. Mas há também a possibilidade de uma situação inversa. Calculam-se os juros, eu tomo o empréstimo e, no prazo contratado, pago.

Como “entre nós”, eu “venho primeiro”, ao receber o dinheiro, o banco me “remunera” com os juros cobrados. E eu rentabilizo o dinheiro que tomei emprestado, já que o banco abre mão da primazia de lucrar, cedendo a mim a vantagem no negócio. O Bradesco lucrou 7 bilhões de reais no primeiro trimestre. Um lucro extraordinário, superior ao do primeiro trimestre do ano passado. Tudo bem, é um direito de todo negócio lucrar o mais que puder, considerando-se, inclusive, que, até então, “entre nós”, tradicionalmente, qualquer banco vinha “primeiro”.

Com essa inversão espetacular de prioridade, há uma potencial e inédita revolução nas relações do banco com seus clientes. Em vez de cobrar taxas de serviços, sobre contas correntes e aplicações financeiras, o banco passa a me pagar comissões do mesmo valor sobre o dinheiro que eu mantenho lá; os cartões de crédito da sua bandeira, em vez de cobrar, passam a me pagar anuidades; só para citar duas possibilidades.

E nós, os que vêm “primeiro”, passaremos a dividir uma dinheirama estupenda. Ou é isso ou esse slogan é uma espécie de McPicanha bancária.

Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketing
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