O ROI virou um dogma. Todo dogma visa a estabelecer uma crença. Toda crença cobra um determinado valor para existir. O primeiro e mais importante para um ser humano é se fechar para tudo o que contraria esse dogma. É negar a complexidade do que existe com uma resposta simples e errada do que acredita ser verdade. Esse comportamento não tem a ver com grau de instrução, fica a dica.

Essa semana ouvi de um amigo do mercado o martírio que está sendo para o seu cliente a crença profunda de que os leads, o digital e o social digital substituíram a TV, mudaram tudo e ao final das contas são o “santo graal” da comunicação moderna. Esse papo já tem 20 anos, mas ainda encontra eco.

E pessoas novas repetem isso. Nada mais antigo. A começar pela instabilidade e imprevisibilidade dos algoritmos. Cada plataforma possui o seu e é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que sabermos como os algoritmos funcionam. Suas motivações, vieses e determinações. Saudades daquele que foi o grande segredo do marketing global, a fórmula secreta da Coca-Cola.

A busca de todos pelo funcionamento ideal do algoritmo é a gameficação do desconhecido e do imprevisível. Exatamente o oposto do que se acredita que o digital deveria ser. Não há previsibilidade em robôs digitais que se multiplicam e sujam os números sagrados. Não existe maneira de se conferir se um comentário é fruto de IA ou uma pessoa. E depois, se essa pessoa é realmente quem ela é, ou é a milionésima persona que assumiu.

Porém, um executivo vai se apegar muito a uma planilha milagrosa. A maior parte dos bônus está atrelada a esse imediatismo. E daí fica o desespero, a dúvida de milhares de negócios que se perguntam: como eu faço marca? Como saio da guerra de preço? Como deixo de ser commodities? A comunicação publicitária é como o artista, precisa ir aonde o povo está. E como arte, deve captar a atenção sem cobrar um preço elevado da audiência, senão tudo se perde. Se fosse fácil qualquer um faria. É complicado mesmo.

E o povo está nas ruas, está ouvindo rádio enquanto dirige ou streaming de música enquanto corre. As pessoas pegam ônibus, aviões e táxis. Nunca se gostou tanto de eventos, shows de rock, festivais. Os olhos atentos assistem ao streaming de filmes, séries e gostam de cinema. E pasme: ainda assistem TV. Nosso trabalho é levar a marca para todos esses lugares da maneira mais inteligente, econômica e artística possível.

O restante é querer se enganar a si próprio de que a coisa é muito simples e basta colocar tudo no layer digital que as coisas vão dar certo. O digital é uma parte da solução. Uma parte. Na planilha de resultados que chega por e-mail isso pode até acontecer, mas na comparação com a efetivação dos negócios geralmente fica faltando algo a mais. Marketing se enquadra naquela disciplina de questões difíceis que não têm respostas simples e amplas. Tudo é intrincado e estratégico. Difícil mesmo.

Por isso que um ótimo profissional de marketing e uma ótima agência ainda é a maneira mais econômica de alavancar os negócios. Por isso, também que é importante a evolução das conversas sobre comunicação sem dogmas. Nenhum assunto é proibido e nenhuma solução pode ser eterna.

Por exemplo, a audiência dos canais digitais poderia ter algoritmos que separam os robôs e cliques robôs ou fazendas de likes de reações humanas reais e poderia ser a nova invenção do SXSW do ano que vem. Recuperaria a carcomida reputação das redes. Outra solução seria um “Ibope” da audiência digital. Está claro por
essas sugestões a erosão da confiança na panaceia que se avizinhou como a solução final dos problemas de
comunicação.

Na ocasião da compra do Twitter por Elon Musk, ele cogitou um desconto de 25% no valor da empresa, pois o tráfego robô girava por esse número na sua opinião. Até quem sabe, os 50%. Nunca ninguém saberá e esse é o ponto. Nunca ninguém saberá o tamanho da manipulação política das mensagens e o seu alcance. Por fim, a frase: não vejo TV. Ninguém vê mais TV, já derrubou muita gente, só que esse tombo é silencioso, já que em nossa sociedade o fracasso não tem prêmio de efetividade. Está na hora de o marketing brasileiro evoluir e deixar os dogmas de lado e seus gurus. A audiência humana ainda é um objetivo e os robôs não são bem-vindos nessa conversa. Por enquanto.

Flavio Waiteman é sócio e CCO da Tech&Soul
flavio.waiteman@techandsoul.com.br