Nós mergulhamos, encaramos, vamos fundo, descobrimos. Emergimos renovados, emanando confiança, inspirando certeza: agora nós sabemos, agora nós podemos, agora nós queremos. Decidimos, agimos, fazemos, acontecemos. Nós conquistamos, nós vibramos, nós compartilhamos vitórias.
Esse texto genérico poderia, quem sabe, ser parte de algum “manifesto”, aquela sustentação aleatória que pretende defender um conceito de marca. Escrever manifestos é um talento particular de alguns criativos. Tenho admiração por eles, parecem sempre ligados, prontos para o estímulo de uma acelerada manifestante. Chega o job, uma leitura rápida e já saem em disparada. Um manifesto não admite paradas para retomar o fôlego, vacilos, olhadelas para trás, qualquer pausa. Um manifesto sai de uma vez só, pelo menos a primeira versão.
Você precisa ter na ponta da língua palavras-chave que levem a frases feitas e afeitas ao senso comum. Precisa manter uma levada de poesia pobre, senão complica. Nada de termos que remetam a reflexões profundas. Um manifesto tem de ser como uma voadeira, aquela embarcação de alumínio que desliza rápida pela superfície, jamais um submarino, com suas borbulhas e mistérios. Tem de ser simples, mas atenção, precisa parecer complexo.
Não naquilo que você define como complexo, mas nas expressões que os seus receptores estabeleceram como “profundas”. Um manifesto exige um tom simpaticamente imperativo e entusiasta e, ao mesmo tempo, deve ser temperado com certo romantismo de utopia, mas que, ao mesmo tempo, inspire e estimule superação. Escrever manifestos, portanto, é uma arte. Não basta saber e gostar de escrever. Fosse assim, seria fácil, bastava soltar a imaginação e expressar seu talento literário.
Para escrever manifestos, é preciso saber renunciar exatamente àquilo que você crê fazer melhor, sem deixar, no entanto, de se utilizar dos recursos do que você crê que faz melhor, com o cuidado de mantê-los sob controle, para que não interfiram mais do que o necessário e acabem, desastradamente, revelando o que você faz melhor, e estragando o manifesto.
Eu sei que parece complicado e é mesmo. É como guiar uma Maserati como se fosse um Fiat Uno. É preciso intuir o que é necessário fazer e o que não fazer, para deixar a performance da Maserati distante da mera performance de um Fiat Uno, mas perfeitamente alinhada com a performance de um Maserati rodando como um Fiat Uno. Compreendem o nível de especialização exigido?
O seu talento para a escrita é a Maserati, mas o manifesto é o Fiat Uno. Podemos até supor que, nesse caso, um motorista de Fiat Uno se saia melhor no desafio. Não é verdade. Um motorista de Fiat Uno jamais dirigiria uma Maserati como se fosse um Fiat Uno. Ele, ou iria tentar fazer a Maserati rodar como Maserati ou sequer conseguiria sair do lugar. Falharia nos dois casos. O segredo está nos receptores da mensagem enxergarem nela uma Maserati (valor), mas num desempenho suficientemente (mas não evidentemente) medíocre para não atrapalhar a sua compreensão.
Stalimir Vieira é diretor da Base de Marketinig
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