Grande parte da nossa vida hoje acontece também no digital. E o digital acontece no seu smartphone. A má notícia: não há lugar mais selvagem do que o seu smartphone.
Calma, eu explico. Essa janela de acesso a comunicação, serviços, produtos, conhecimento, informação e entretenimento que, se mal utilizado, pode ser, sim, um ambiente, no mínimo, desafiador. Como uma selva.
Do ponto de vista pessoal, das questões de saúde mental ao ócio improdutivo do “dumb scrolling”, usar com parcimônia é o segredo para que você não seja tragado por imagens, sons, repetições e interconexões que te colocam em uma máquina do tempo que consome 40 minutos da sua vida e no final te entrega pouco. “Pisquei e passaram 15 minutos!”. Que dê o primeiro skip quem nunca ouviu – ou melhor, falou – sobre a adição da telinha.
Do ponto de vista de comunicação, interatividade e ativação de marcas, então, o buraco é ainda mais embaixo. O smartphone é um lugar selvagem porque, mesmo a partir de um interesse específico, somos bombardeados por dezenas de diferentes estímulos a cada milissegundo.
Faça um teste: me diga quantas vezes, na sorte de você ter sido impactado por uma ação de alguma marca e ou produto que capturou seu interesse, ao consumir o conteúdo você foi desviado para um WhatsApp da família, do grupo de amigos, do grupo do trabalho A, B e C, por um "push notification" de alguns dos apps que você tem instalados e te levaram para uma viagem inesperada e não necessariamente voluntária. Onde você se perdeu e, com isso, o interesse original se foi com o vento, como na música do Bob Dylan?
Esse é, para mim, o maior desafio e o maior paradoxo dos nossos tempos. Nunca tivemos a oportunidade de estar tão conectados e próximos como agora, através destes devices que estão nas mãos de mais de 6,6 bilhões de pessoas no mundo (dado de 2022). A disputa por aquele segundo que ativa a atenção nunca foi tão desafiadora.
É verdade que temos plataformas formatadas para criar essa dependência temporal com doses de dopamina viciantes. É verdade que essas plataformas monetizam através de marcas, produtos e serviços que querem acessar essa humanidade. Potencial de conversão, engajamento, médias para a sua indústria – e você segue essa lógica como seu objetivo e de marketing ou comunicação. Vai para a apresentação de resultados e seu trabalho foi feito. Mas aí vem uma pergunta: É eficiente? É pertinente?
A cada dia, profissionais e marcas sofrem mais para poder tocar de forma visceral seus públicos de interesse. Ser mensurável é sedutor e atraente. É fundamental porque quebra barreiras e conecta quem você quer com o que você quer, mas DNVBs vivem um momento de morte súbita, porque não conseguem converter a audiência em consumidores. O digital only ficou caro para gerar escala, diferencial e massa crítica. Talvez porque as pessoas não sejam digital only.
A profusão de ofertas é tão escalável quanto o infinito inventário de mídia online. Não é à toa que CMOs têm vida curta – 1,5 ano em média –, porque é difícil mostrar resultado quando se usa somente métricas que não conversam com a última linha, que no final é a da geração de valor, de crescimento e de caixa. Métricas são importantes, mas a maior métrica é a que vale desde sempre: valor de marca, engajamento (real, traduzido em consumo) e resultado de negócios.
Tem uma fórmula? Para ser bem sincero, acho que não. O que se precisa é pensar fora do smartphone também. Aqui vão 5 pontos, baseados em nossa realidade humana, vastamente explorada na disciplina da economia comportamental:
Somos animais que sentem e depois pensam, invariavelmente nesta ordem. 90% do que fazemos não é intelectualizado. Respondemos mais com as vísceras do que com o cérebro. Agimos e depois raciocinamos sobre uma desculpa para essa ação. Ouvi uma citação muito boa outro dia: O cérebro pensa que é a sala da presidência, mas na verdade é a sala de imprensa. Justifica os atos, raramente os define;
Pessoas não valorizam e compram produtos, e, sim, significados. O valor está no que aquele investimento significa para você e não no valor intrínseco. Valor de marca é medido pelo que ela desperta e não pelo que ela é;
Pessoas não buscam o melhor, mas, sim, o que tem menos chance de dar errado. Vide o sucesso de cadeias de fast-food. Pode não ser a maior experiência gourmet, mas o risco de errar é mínimo;
Que o tipo de atenção afeta a natureza da experiência. Construa formas de capturar a atenção da sua audiência de uma forma única, e não somente copiando cases de sucesso;
Que evoluímos porque interagimos e que este "olho no olho" ainda é uma necessidade da espécie. Deixe as pessoas tocarem – literalmente – sua marca, produto ou serviço.
Ter a coragem de ir um pouco contra a corrente, como as marcas que admiramos fazem sempre foi e sempre será a melhor parte do esforço. Tem riscos, mas é melhor do que o risco de ser devorado na selva digital.
Rodrigo Ceveira é sócio e CMO da Vórtx