Pessoas mostram cada vez mais preocupação com garantia de cuidados sanitários e publicidade segue a mudança, que abre novas oportunidades para a disciplina de healthcare (Jcomp/Freepik)

A preocupação com a saúde nunca mais será a mesma depois da pandemia da Covid-19. No trabalho, lazer ou em casa, a busca por cuidados sanitários capazes de proteger a saúde e o bem-estar das pessoas tende a ser uma exigência que vai além do carpe diem. Aproveitar o dia já não basta.

Agora, a expressão em latim dita pela primeira vez há mais de dois mil anos pelo poeta Horácio no fim do Império Romano – que ganhou fama nos ensinamentos do professor John Keating, interpretado pelo ator Robin Williams em Sociedade dos Poetas Mortos, no ano de 1990 – evolui para a sigla Yolo, que vem do inglês You Only Live Once, ou seja, Você só vive uma vez.

Esse movimento é seguido de perto pela indústria da comunicação. Não à toa, a disciplina de healthcare ganha cada vez mais importância. “A Covid-19 é o maior experimento da história da humanidade. As pessoas perceberam que podem continuar rendendo mesmo estando em casa e não vão abrir mão de ter uma vida melhor”, observa o professor José Mauro Nunes, da FGV Ebape – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas.

A cobrança por ambientes seguros traz para a publicidade a chance de “despertar o sentido de coletividade e empatia”, destaca o especialista em marketing. Com a pandemia, todos os olhares se voltaram para a saúde. Sabemos que o segmento tende a crescer e abrir ainda mais espaço para a indústria da comunicação, que hoje não explora o suficiente”, analisa Luciana Guimarães, co-founder growth innovation da consultoria Float Health Brasil, especializada em marketing farmacêutico e soluções integradas de comunicação em saúde.

Hoje, a ideia mais criativa e a melhor estratégia de mídia não se prestam simplesmente a vender um produto. Elas são pensadas para salvar vidas.

Símbolos de Idverse, que alertam sobre o uso de medicamentos fatais para pessoas com condições preexistentes

Bem me quer
“É nítido que a categoria vem crescendo ano a ano, sobretudo, em tempos pandêmicos”, ratifica Alessandro Souza, coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM Porto Alegre. Segundo ele, marcas e causas são cada vez mais diversificadas.

“Todo mundo parece ter-se dado conta de que, para influenciar positivamente o consumidor, a via mais poderosa é a da saúde e bem-estar. Isso atraiu a atenção de marcas relevantes, que não habitam naturalmente o território healthcare, mas que querem participar dele”, argumenta Mauro Arruda, co-managing director e ECD da FCB Health Brasil, rede que foi realinhada globalmente com a McCann Health dando origem à IPG Health, cuja CEO é Dana Maiman.

O anúncio acaba de ser feito pelo Interpublic Group. Com cinco mil profissionais em seis continentes, a IPG Health chega com a meta de ajustar a “big idea à eficiência, aos resultados práticos e, principalmente, ao que, de fato, melhore a saúde do público para a qual foi direcionada”, frisa Saturnino Izquierdo, presidente da McCann Health para a Europa e América Latina.

Saturnino Izquierdo, da McCann Health para a Europa e América Latina (Divulgação)

Integrar e dimensionar serviços especializados, ampliar o compartilhamento de conhecimento e potencializar talentos são as vantagens elencadas por João Consorte, CEO da McCann Health Brasil. “Para nossos clientes, isso significa acesso a um dos recursos de marketing de saúde mais poderosamente integrados do mundo, acesso simplificado e avanço ainda maior em mídia, dados, tecnologia e criação”, reitera o executivo da rede vencedora de 12 títulos de Network of the Year dos cinco maiores prêmios de criação da indústria.

Saúde para dar e vender
A FCB Health também mostra saúde para dar e vender. Foi a network de health do ano nas últimas edições do Cannes Lions e Clio Awards. Com o case Sick Beats, criado para a marca Woojer pela agência Area 23, de Nova York (EUA), que faz parte da FCB Health Network, ganhou o Grand Prix de Pharma no Cannes Lions 2021 e conquistou também o prêmio de Healthcare Agency of the Year.

A criação do trabalho, que contou com a participação do brasileiro Eduardo Tavares, mostra um colete que usa a música para liberar as vias aéreas e ajudar no combate à fibrose cística. O áudio é da produtora Canja, de Curitiba (PR). Quem diria, esse exemplo vem de uma empresa especializada em tecnologia háptica. “Se o healthcare já foi o patinho feio da indústria criativa, hoje a comunicação de saúde é riquíssima em criatividade e recursos”, defende Arruda.

Campanha desenvolvida pela FCB Healh para Gastrogel nasceu e cresceu durante a pandemia da Covid-19 (Divulgação)

O craft do healthcare vai ficando cada vez mais “indistinguível do que se faz de mais interessante na publicidade global, o que é fantástico, porque trabalhamos em um setor onde a excelência criativa pode literalmente salvar vidas”, complementa.

Mas para o professor da ESPM, a criatividade ainda é um desafio. “Por lidar diretamente com a vida das pessoas, gestores da área propõem linhas mais conservadoras. É mais difícil ser disruptivo. Há espaço para esse amadurecimento e cabe a nós, publicitários, contribuirmos para linhas de comunicação cada vez mais sedutoras ao healthcare”, analisa Alessandro Souza.

Em uma nova era em que gigantes do mundo automobilístico se tornam carbon neutral, as maiores marcas de cosméticos correm para se tornar cruelty free, e até o jogador Cristiano Ronaldo promove água em vez de refrigerante, é evidente que “a pandemia nos fez entender que saúde está em tudo e responsabilidade social é parte fundamental do nosso futuro”, pontua Diego Freitas, co-managing director e ECD da FCB Health Brasil.

“Aliás, 80% do nosso time não conhecia o mercado Health & Wellness antes de se juntar à FCB Health, e isso se reflete nos nossos clientes e trabalhos”, aponta.

Mauro Arruda e Diego Freitas, da FCB Health Brasil (Divulgação)

A agência organiza, neste mês de julho, o lançamento de campanhas de dois OTCs – do inglês over the counter, que significa medicamento de venda livre. Benegrip e Gastrogel terão projetos que nasceram e cresceram na pandemia. O objetivo é reconectar o consumidor que está na gôndola da farmácia ou no Rappi, procurando um antiácido após a feijoada do fim de semana.

Raio-X das iniciativas
Vetores para depressão e até suicídio, homofobia, transfobia, violência de gênero, bullying e ódio online são encaradas pela FCB Health como doenças sociais passíveis de projetos capazes de atenuar os seus efeitos. “Globalmente, a nossa rede de saúde já tratou de tráfico de pessoas e controle de armas. Tudo isso também é health e merece a nossa atenção”, alerta Arruda.

Verdade é que a relação das pessoas com a saúde mudou de uma postura passiva diante da autoridade do médico para uma atitude questionadora. É aí que entra o planejamento. “Reconhecendo que o consumidor, o paciente, é o dono e responsável pela própria saúde. E provendo o que falta, na forma de informação, serviços, conteúdo relevante e engajador”, explica Arruda.

Alessandro Souza, da ESPM Porto Alegre (Divulgação)

Da WMcCann vem um exemplo de mobilização. Vencedor de Ouro no Clio Health 2021, o projeto Drive Thru de Doação de Sangue instalou uma carreta da Chevrolet com cinco cabines no Shopping Eldorado no início da pandemia com equipamentos médicos e profissionais da saúde cedidos pelo Hospital Albert Einstein. Impulsionada por mensagens geolocalizadas, a iniciativa aumentou em 50% as doações. O volume foi 20% maior que antes do surto do coronavírus.

Quantas vidas podem ter sido salvas? A mesma reflexão é deixada pelo filtro de autocuidado das mamas Self-Exam Filter, criado pela Wunderman Thompson para a Johnson & Johnson Consumer Health. O trabalho levou Prata no Clio Health e foi selecionado para a shortlist do Cannes Lions 2021 na categoria Social e Influencer.

E o que dizer dos símbolos que alertam sobre o uso de medicações que podem ser fatais em pacientes com condições preexistentes? Criado pela Havas Health & You, o case Idverse levou Prata na categoria de Pharma do Cannes Lions 2021, mas a vitória vem mesmo com as vidas que podem ser poupadas a partir de elementos gráficos fixados em smartphones, documentos pessoais, tatuagens, garrafas de água e pulseiras, entre outros objetos visíveis pelas equipes médicas.

Filtro de autocuidado das mamas Self-Exam Filter, criado pela Wunderman Thompson para a Johnson & Johnson

Conscientização e apoio também estão em projetos como Beautiful Dreamer, assinado pela TracyLocke Brasil para a Pfizer. Leão de Bronze na última edição do Cannes Lions, o filme esclarece que é possível retardar o avanço da polineuropatia amiloidótica familiar (PAF), doença degenerativa que afeta a sensibilidade da pele.


Bronca
Mas “a publicidade precisa entender, aceitar e promover as tecnologias utilitaristas, que fazem as pessoas serem menos desassistidas clinicamente”, adverte Guilherme Hummel, coordenador científico do HIMSS Hospitalar Fórum e da Digital Journey by Hospitalar, além de head mentor do eHealth Mentor Institute (EMI).

Na cadeia de saúde, as tecnologias digitais aplicadas são as chamadas tecnologias utilitaristas, que estão centradas na resolução de problemas clínicos, na confortabilidade do paciente, e empregadas para ajudar as pessoas em seu autocuidado e na melhoria do bem-estar.

Beautiful Dreamer fala sobre o tratamento de doença degenerativa em trabalho da TracyLocke Brasil para a Pfizer (Reprodução)

“Curiosamente, a publicidade se distancia do usuário consumidor de produtos e serviços de saúde, preferindo enaltecer as soluções tecnológicas voltadas ao bem-estar, que em 70% dos casos são inúteis”, reclama o profissional responsável pela curadoria do conteúdo da Hospitalar, uma das principais plataformas de conexão e desenvolvimento do setor da saúde na América Latina.

Hummel conta que os aplicativos de saúde pessoal são vistos com ceticismo pela comunidade médica, que é sempre chamada a explicar essas inovações para a mídia ou para a publicidade. “O médico por formação é um cético às inovações utilitaristas. Como não acredita nelas, o seu testemunho dificilmente é a favor. Melhor seria se a publicidade se envolvesse no desenvolvimento das soluções, e se inteirasse pelo seu ciclo de vida. Teria mais condições de adicionar valor”, sugere.

Luciana Guimarães, da Float Health Brasil, ainda lembra que a comunicação com os médicos, antes restrita aos representantes, hoje deve “trazer credibilidade e segurança, principalmente em um momento no qual temos tantas fake news”, adiciona a executiva.

Vanessa Vazquez e Luciana Guimarães, da Float Health (Divulgação)

Laboratório de transformações
Dados da indústria farmacêutica também podem ajudar as marcas a entenderem as jornadas existentes e criar linguagens adequadas para cada etapa em conformidade com as regulamentações que regem o setor. Compreender as interações intrínsecas a cada ponto de contato é tarefa para uma “equipe multidisciplinar e especialista com experiência no segmento”, orienta Luciana.

Luciano Deos, CEO e fundador da consultoria de branding e design Gad, confirma a instrução. O trabalho feito para as farmatechs pressupõe qualidade de experiência, abordagem correta da informação, conhecimento e inteligência a serviço de uma solução de saúde completa e integral sem fragmentações ao longo do processo. “É crucial o entendimento da jornada do cliente, conhecer seus hábitos, atitudes, necessidades e histórico que, processados, construam uma melhor experiência”, ressalta Deos.

A comunicação é efetiva quando usa materiais de qualidade para fazer uma atualização médica, por exemplo, ou consegue transmitir com clareza o passo-a-passo do tratamento de um paciente. “Queremos uma conexão real da saúde com a promoção de uma vida melhor”, destaca Vanessa Vazquez, co-founder e CEO da Float Health Brasil.

Tradicional, conservadora e informativa. Essas características marcaram a comunicação no setor de healthcare, que “nunca trabalhou uma agenda de posicionamento e de construção de marca de forma mais ampla, e sim com marcas muito focadas no seu negócio, nos seus atributos”, recorda o CEO e fundador do Gad, que em 35 anos de trajetória soma projetos para EMS, Droga Raia, laboratórios Fleury, rede de farmácias Panvel e Hospital Moinhos de Vento.

Um dos trabalhos mais recentes foi a criação do posicionamento e branding da Brace Pharma, braço de farmatech do grupo EMS. Com o paciente no centro da experiência, a estratégia buscou criar conexão para transmitir proximidade.

Projeto criado pela WMcCann para a Chevrolet aumentou em 50% as doações de sangue

Tratamento
Com o impulso da pandemia e o avanço tecnológico, “a saúde surge como o segmento que deve atravessar a maior transformação, inclusive por uma grande concentração do setor”, acredita Deos. Segundo o executivo, essa mudança deve levar as empresas a assumirem uma atuação mais estratégica e a buscarem um posicionamento de marca mais amplo. “Porque saúde será um tema de muito mais atenção e demanda por parte da sociedade, e de investimento das iniciativas pública e privada”, corrobora.

Ao assumirem novos compromissos com a sociedade, as marcas devem redefinir a comunicação de toda a indústria de healthcare. E as regulamentações não devem ser usadas como desculpas para a falta de criatividade. “Todas as indústrias têm regulações, algumas mais do que outras. Não acho que os limites regulatórios é que definem os limites criativos. Pelo contrário, as limitações instigam ainda mais a criatividade”, afirma Deos.

Para ele, a indústria de saúde demanda mais criatividade, inovação e qualidade na ponta. “Uma visão mais centrada no cliente e menos na indústria e no médico”, propõe. Fica para os profissionais de comunicação a meta de buscar o aperfeiçoamento da entrega de soluções e serviços mais completos para uma melhor a jornada com base na humanização das experiências tanto na esfera pública como na privada.